O Festival de Cannes é um lugar capcioso para se lançar um grande filme. Por lá passa a nata do cinema — e críticos ávidos para destilar alfinetadas nas produções que não estão à altura do local. Entende-se então a razão pela qual Francis Ford Coppola, 85 anos, escolheu o evento francês para estrear seu novo e ambicioso filme, Megalópolis, exibido pela primeira vez ao público nesta quinta-feira, 16. Como prometido, o longa que custou 120 milhões de dólares, pagos do bolso do cineasta, é não só uma extravagância como também se propõe a ser um alerta sobre nada menos que o fim da humanidade.
A trama é uma fábula de Roma Antiga ambientada na América atual. Os nomes dos personagens são emprestados da história. César Catalina, interpretado por Adam Driver, é o magnata-empreendedor-artista-cientista que age como imperador e, como o célebre militar romano Catalina, ameaça o poder de Cícero. Hamilton Crassus, interpretado pelo excelente Jon Voigt, é inspirado em Marcus Licinius Crassus, estadista conhecido como o homem mais rico de Roma, que ajudou a transformar República em Império. No filme, é o dono do maior – e talvez único – banco da cidade. Clodio Pulcher (Shia LaBeouf), seu neto, é inspirado em Publius Clodius Pulcher, político dos plebeus (embora seja um magnata). E, finalmente, Franklyn Cicero (Giancarlo Esposito), o estadista intelectual que sofre a crise política que vai instaurar o Império.
VEJA está no festival e assistiu ao filme que ainda não tem data de estreia no Brasil. Apesar de ser amplamente aplaudido na sessão de gala — como é de praxe na exibição que conta com a presença do elenco e do diretor –, Megalópolis causou reação adversa entre os críticos. Entre seus pontos positivos estão elementos que atestam a criatividade ainda borbulhante do homem por trás de clássicos como O Poderoso Chefão e Apocalypse Now, que usa sem receios cenas com quebras de expectativas e reviravoltas embaladas por um ritmo envolvente e uma trama instigante. Por outro lado, o roteiro exagerado e filosófico, o qual sugere que a humanidade está fadada ao fim por culpa do surgimento da civilização, em muitos momentos é raso e usa o histórico romano sem contexto adequado.
Não é novidade que Coppola se interessa por um tema específico: o uso do poder e seus efeitos nas pessoas submissas e ele. Aqui, ele se debruça sobre um império baseado na utopia de César Catalina. Sendo assim, o diretor gira todo o filme, basicamente, ao redor de um banco e do desejo de Driver de mudar o mundo ao seu modo. No pano de fundo, fica a ficção científica. A física quântica é um elemento utilizado, mas pouco explicado na trama — em dado momento, a mãe de Catalina diz: “temos aquela teoria, como é o nome? Ah, Teoria das Cordas”.
Outro detalhe do âmbito do sci-fi é uma nova substância essencial para a trama, chamada de Megalon, que se transforma em qualquer coisa: de tecido para construir um novo rosto à cidade do futuro. Esta cidade traz referências dos filmes de ficção científica dos anos 1970-80, e as formas urbanas imitam as orgânicas, como árvores de metal, num visual impactante.
Na sessão exclusiva para a imprensa, um cara apareceu com um microfone e passou diante da frente da tela. Problema com o filme, certo? Não. Era uma entrevista entre ele e César, sobre o que estava acontecendo na sua Roma. Coppola sendo Coppola. Aliás, é isso o que mais instiga quem o assiste. Sendo o mestre do cinema que ele é, será que, apesar de fora do comum, Megalópolis será um clássico e Coppola, mais uma vez, sabia exatamente o que está fazendo? Só o futuro (se ele existir) dirá.