Aos 18 anos, Tim Burton enviou ao setor de publicações da Disney seu primeiro livro infantil. Escrito e ilustrado por ele, O Gigante Zlig narrava a história de um monstro azul com zero tino social. Pouco depois, o rapaz recebeu uma carta educada da editora com um feedback. Apesar de uns “errinhos gramaticais” e da falta de “materiais adequados para uma ilustração profissional”, o livro era divertido e o jovem autor tinha potencial. “Continue assim e boa sorte”, dizia a resposta, negando a publicação. Em entrevista a VEJA, Burton ri ao se lembrar do episódio: “Se tivesse sido só essa rejeição… Recebi muitos ‘nãos’ na vida”. Simpático e tímido à maneira de um personagem saído de sua obra, ele explicou a razão de ter persistido: “Eu não estava em busca de sucesso. Minha motivação era fazer o que eu amava. Se algo positivo viesse disso, seria lucro”. Os louros da insistência vieram: hoje, aos 63 anos, Burton é uma grife incontornável de Hollywood.
O estranho mundo de Tim Burton
Dono de uma estética peculiar, moldada em filmes como Os Fantasmas Se Divertem e Edward Mãos de Tesoura, o diretor, ilustrador e roteirista com o tempo expandiu suas aptidões para outros campos. Logo notou uma queda pelas artes plásticas — seja em exibições de museus, seja no cenário urbano. Curiosamente, o Brasil se revelou um ambiente propício para suas experimentações. Em 2016, o americano foi tema de uma exposição no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo, que arrebanhou 213 000 visitantes. A relação com a cidade se estreitou em dezembro passado, quando ele fez sua estreia na arte de rua elegendo um edifício no caótico centro da capital paulista como tela: o desenho de um robô lutando com um monstro assinado pelo cineasta foi grafitado pela brasileira Luna Buschinelli. “A energia artística de São Paulo me atrai”, diz Burton.
O mural é um aperitivo da mostra A Beleza Sombria dos Monstros, que abre na Oca, no Parque Ibirapuera, no domingo 8. A exposição de dimensões generosas — serão 2 600 metros quadrados divididos em catorze salas — adapta de forma imersiva o livro A Arte de Tim Burton. A publicação de 2009 reúne um amplo acervo do artista, com desenhos e conceitos visuais que unem o sombrio e o melancólico a uma fofura pueril cativante — estética que ganhou até nome em homenagem a ele: o “burtonesque”. Criação originalmente brasileira, a exposição alia esse universo a recursos tecnológicos como cinema 3D, teatro de sombras e realidade virtual. “O público não quer mais só contemplar uma obra, ele quer entrar dentro dela”, conta Leo Rea Lé, codiretor do projeto, que teve uma temporada no CCBB em Brasília e está em negociações para uma montagem no Rio de Janeiro. A produção ainda exportou parte de sua concepção para mostras internacionais — uma em Las Vegas, nos Estados Unidos, e outra em Seul, na Coreia do Sul.
O triste fim do pequeno Menino Ostra e outras histórias
Fã de filmes de terror e inspirado pelo jogo de luz e sombras do expressionismo alemão, Tim Burton cresceu como um estranho gótico no ninho da ensolarada Burbank, na Califórnia. Seu passeio favorito era visitar o cemitério, mas alimentava o desejo de um dia trabalhar na Disney, no estúdio de animação próximo de sua casa. Quando perguntava o caminho para conseguir uma vaga ali, ouvia conselhos sobre a importância de estudar bastante. “Mas eu odiava a escola”, entrega. Eventualmente, conseguiu um estágio na Disney e uma bolsa para estudar no renomado instituto de arte da Califórnia, o CalArts, berço dos animadores que fizeram uma revolução no setor com a Pixar, nos anos 1990. Oposto à graciosidade óbvia da casa do Mickey, o traço de Burton causava desconfiança. Com um pé atrás, a Disney bancou a animação O Estranho Mundo de Jack, de 1993, sob outro selo do estúdio, o Touchstone. O filme foi um estrondo. “Depois da rejeição, o sucesso veio. O importante é seguir sua paixão”, diz Burton. Os estranhos também triunfam. Publicado em VEJA de 4 de maio de 2022, edição nº 2787
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