Há uma anedota em Westeros que diz: “Quando um novo Targaryen nasce, os deuses jogam uma moeda para cima. Enquanto isso, o mundo prende a respiração esperando o resultado”. De um lado da moeda, está a grandiosidade; do outro, a loucura — duas características comuns e aleatórias na família que ostenta fios platinados na cabeça e dragões no quintal. Essa dualidade é parte essencial de A Casa do Dragão, spin-off da incensada série Game of Thrones, que estreia sua segunda temporada no domingo 16, no canal pago HBO e na plataforma de streaming Max. Se a solitária Daenerys Targaryen e seus três filhotes cuspidores de fogo fizeram barulho na série original, a trama derivada — inspirada no livro Fogo & Sangue — observa o poderoso clã 170 anos antes, quando, no auge de seu domínio, uma guerra civil entre eles e seus vários dragões dilacera o grupo — e detona a instabilidade política que paira sobre os Sete Reinos do universo criado pelo americano George R.R. Martin.
Fogo & Sangue – George R. R. Martin
Lançada em 2022 sob expectativa intensa, A Casa do Dragão foi feita com o investimento altíssimo de 200 milhões de dólares, valor comparável ao orçamento de filmes da Marvel. O drama de fantasia deveria não só manter aceso o interesse pelo rentável mundo de Game of Thrones, como tinha de reverter o gostinho amargo deixado pelo fim controverso da produção original em 2019. Os desafios eram muitos — e foram, um a um, vencidos: a série provou seu valor ao fechar a primeira temporada com média de 29 milhões de espectadores por episódio. O marco notável e inédito para uma nova trama do canal foi celebrado — mas, como dita a regra da TV, agora é preciso ir além.
As Crônicas de Gelo e Fogo – George R. R. Martin
Assim, a HBO redobrou a aposta, fazendo de A Casa do Dragão sua principal série de 2024 — outras produções do canal, como a elogiada The Last of Us, foram jogadas para o ano que vem. A decisão de colocar todas as fichas num só projeto reflete também, é verdade, a reorganização financeira da Warner Bros. Discovery, grupo do qual a HBO faz parte e que carrega uma dívida de 42 bilhões de dólares. Mesmo assim, estimativas de bastidores indicam que o orçamento da nova temporada seria maior do que o da primeira. Para fazer dela um espetáculo épico, o número de episódios foi reduzido de dez para oito, concentrando recursos.
Entre os upgrades está a chegada de mais dragões e a promessa de duas grandes batalhas — a primeira temporada teve só uma, e apenas a quinta de GoT foi tão bélica. “Temos a sorte de dispor de recursos para essas cenas”, disse a VEJA o cocriador da série Ryan J. Condal. “Usamos locações lindas, teremos vários dragões envolvidos, mas no fundo o espetáculo só funciona se o público estiver emocionalmente ligado aos personagens.” Tal fórmula é elevada a novos patamares de tensão logo no primeiro episódio da segunda fase.
As Crônicas de Gelo e Fogo [Box com 5 volumes] – George R. R. Martin
Com a morte do rei Viserys I, vivido de forma brilhante por Paddy Considine, a primeira temporada se encerrou com um cisma no clã. De um lado está Rhaenyra Targaryen (Emma D’Arcy), escolhida pelo pai como herdeira, que quebraria a tradição da supremacia masculina no direito ao Trono de Ferro. Do outro, seu meio-irmão Aegon II (Tom Glynn-Carney), filho da astuta e religiosa rainha Alicent Hightower (Olivia Cooke), que nasceu depois da promessa de Viserys à filha — e que, sem dúvida, carrega o gene da insanidade tão acentuado entre os Targaryens. A disputa na linha sucessória, claro, será envolta por muitas intrigas, manipulações, ressentimentos e uma boa dose de sangue. Após a morte de um de seus filhos na temporada anterior, Rhaenyra agora quer vingança — e uma ação impulsiva de seu marido (e tio), o príncipe Daemon Targaryen, vivido por Matt Smith, radicaliza as reações passionais (e violentas) de ambos os lados. O personagem, aliás, terá uma trajetória particular curiosa.
A Ascensão do Dragão: Uma história ilustrada da dinastia Targaryen
Rejeitado como segundo herdeiro ao trono pelo irmão, Viserys I, o rebelde Daemon acumulou as dores do luto da morte do rei, da primeira esposa e do enteado — eventos que o empurram para um amadurecimento forçado. “Ele está em uma jornada de desconstrução e de autodescoberta”, disse Smith a VEJA (leia a entrevista abaixo). O aprofundamento psicológico do personagem revela o verdadeiro poder da saga. A violência, o sexo abundante e os dragões podem ser atrativos certeiros, mas, para continuar de pé, o roteiro não pode perder de vista a complexidade dos tipos que transitam em Westeros. Da rainha beata que esconde seus pecados, passando pelo rei despreparado e instável até o príncipe em crise existencial — todos rodeados pela corrupção, pelo amor ao poder e pelos horrores da guerra por motivos escusos —, A Casa do Dragão reflete o mundo real, sem deixar de ser entretenimento de primeira qualidade. Uma prova de fogo que, até agora, ela conseguiu vencer.
“O Brasil é meu lugar favorito”
O ator inglês Matt Smith falou a VEJA sobre a série — e seu amor pelo país.
Tanto em A Casa do Dragão quanto em The Crown você interpreta príncipes casados com rainhas poderosas. Como é dar vida a esses homens que precisam se adaptar a um lugar de submissão? É o que acontece com a maioria dos homens no mundo, não é? Eu gosto bastante desse tipo de papel, mas para os personagens é mais difícil — tanto Philip (de The Crown) quanto Daemon são coadjuvantes de grandes mulheres, inteligentes e marcantes, logo eles precisam suprimir o orgulho e o ego. Eu ainda tive a sorte de contracenar com atrizes brilhantes, Claire Foy, como rainha Elizabeth II, e, agora, Emma D’Arcy.
Como compara a trajetória de Daemon da primeira para a segunda temporada? Ele está passando por um período de transição. A morte do irmão (o rei Viserys I) foi um baque. Alguns eventos nos primeiros episódios são significativos. É o início de uma jornada de desconstrução e de autodescoberta. Daemon terá um momento bem sombrio.
Ele estará envolvido nas grandes batalhas dessa fase? Não posso dizer muito, mas diria que Daemon está em guerra consigo mesmo.
Você costuma vir ao Brasil com frequência. Qual sua relação com o país? Eu amo o Brasil. É meu lugar favorito no mundo. Eu me mudaria para aí num piscar de olhos. Adoro feijoada e coxinha. É um lugar com vida.
Publicado em VEJA de 14 de junho de 2024, edição nº 2897