“Não tire o olho dessa estrela em formação”, avisava um trailer em 2016. O filme, independente e denso, era uma adaptação da novela russa Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk (1865), de Nikolai Leskov, e a tal presença incandescente era a inglesa Florence Pugh, então aos 20 anos. Menos de uma década depois, a profecia foi mais que cumprida. Ao contrário de colegas como Sydney Sweeney e Zendaya, Pugh nem precisa de estratégia de imagem para se impor como atriz. Já integra o escalão mais cobiçado de Hollywood, foi indicada ao Oscar com meros 23 anos por Adoráveis Mulheres (2019) e hoje, aos 28, mantém uma atuação eclética, entre filmes-evento como Oppenheimer e Duna 2 e apostas modestas como seu novo trabalho: o romance Todo Tempo que Temos, que estreia nos cinemas na quinta-feira 31.
Na trama, Florence vive Almut, mulher na faixa dos 30 anos que toca o cotidiano ao lado do metódico Tobias (Andrew Garfield). Contrastantes, os dois tecem uma história de amor não tradicional. Numa cena, se conhecem; na outra, brincam com a filha pequena; logo depois, debatem sobre a identidade de Almut, bissexual e anticasamento; em outro momento, estão sentados em um consultório, ouvindo o diagnóstico: ela tem câncer no ovário. A colagem propõe pensar o adoecimento e a mortalidade não pelos últimos momentos de uma vida, mas pelo todo. É uma premissa açucarada que poderia ser só uma banalidade digna de Sessão da Tarde, não fosse o talento dos atores.
Dona de grandes olhos, Florence é hábil em transmitir sentimentos na tela, como demonstrou na pele da protagonista transtornada do horror Midsommar e da menina birrenta de 13 anos que fez em Adoráveis Mulheres. Todo Tempo que Temos se junta a eles como exemplo de uma qualidade rara: Florence é uma atriz à vontade em se despir de suas vaidades em nome dos personagens. Pouco se importa com a nudez e transformações radicais exigidas pelos papéis, como a cabeça raspada no novo filme. Na vida pessoal, adere a tecidos transparentes e, na era de culto a estrelas magérrimas, faz questão de mostrar seu físico como é, sem negar as curvas cheinhas e a celulite, lembrando que “existe mais de um motivo para o corpo feminino existir”.
A leveza característica a acompanha em outros hobbies. No YouTube, é dona do canal Cooking With Flo, que atualiza esporadicamente com receitas descompromissadas. Para além dos dramas de prestígio, Florence investe também no entretenimento. Em 2025, volta ao universo Marvel após atuar em Viúva Negra (2021), agora como líder do grupo de anti-heróis Thunderbolts. Eis uma fera fora do comum.
Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2024, edição nº 2916