Quando o filme Noites Alienígenas foi selecionado pelo Festival de Gramado, em 2022, a equipe da Saci Filmes, produtora do Rio Branco, já se sentiu vitoriosa. “O Acre nunca tinha levado um filme para o festival”, conta a produtora Karla Martins, 53 anos. A grande surpresa, então, viria ao fim do evento: o longa dirigido por Sérgio Carvalho foi eleito melhor filme, ganhou o prêmio de Júri da Crítica, e ainda levou as categorias de melhor ator para Gabriel Knoxx, ator e atriz coadjuvante, para Chico Diaz e Joana Gatis, e menção honrosa a Adanilo, ator indígena que também é coadjuvante da produção – o elenco principal fica completo com a atriz Gleici Damasceno. A chuva de prêmios deu um empurrão extra no filme: nesta quinta-feira, 30, a produção chega aos cinemas com aura de cult e o feito inédito de colocar o cotidiano da capital do Acre no centro de uma trama de projeção nacional.
Ambientado na periferia de Rio Branco, o filme acompanha a história de jovens que são afetados pela chegada de facções criminosas do Sudeste ao Norte do país. “Rio Branco é uma cidade dentro de uma floresta”, diz Karla. “O filme fala de urbanidade, dos jovens que fazem poesia, que querem trabalhar, que se viciam em drogas, que são conectados com a história e a religião da floresta.” Karla nasceu na cidade e, como tantos outros, se mudou para o Sudeste para estudar. No Rio de Janeiro, se apaixonou pelo teatro, virou atriz e, eventualmente, decidiu voltar para sua terra. “Eu queria me reconectar com minhas raízes”, conta a produtora. Nessa caminhada, ela conheceu Sérgio Carvalho, um paulista que se encantou pelo Acre e se estabeleceu por lá. Juntos, eles começaram a tocar o Festival Internacional Pachamama e criaram a Saci, lar do Noites Alienígenas.
A história do filme nasceu primeiro como livro. Carvalho escreveu o romance sobre jovens periféricos acrianos após um embate entre facções vindas do Sudeste, em 2017, culminar numa noite de terror com ônibus queimados pelas ruas. “Muitas pessoas afirmam que, naquele dia, viram um disco voador no céu”, conta Karla ao explicar o título do livro. “É uma metáfora com várias possibilidades. Para mim, as pessoas foram virando alienígenas em seu próprio território, acabaram deixadas de lado pela sociedade.”
Para além de expor a dura realidade da violência e do tráfico de drogas que assola todo o Brasil, o filme abre uma janela preciosa para uma região amazônica pouco explorada. “Nós queríamos fazer o filme mais acriano possível”, diz Karla. Nas salas de cinema locais, a resposta é peculiar. “Vemos desde pessoas que se identificam, e falam: ‘é isso mesmo, essa é a periferia de Rio Branco’. E pessoas que se chocam: ‘essa parte da cidade eu não conheço’.” Assim, o cinema volta a cumprir uma de suas missões mais nobre: encurtar distâncias entre realidades — tenham elas milhares de quilômetros ou apenas algumas dezenas.