Em 2013, o diretor Pedro Freire se emocionou de um modo diferente durante o velório de sua mãe, a atriz Malu Rocha: para além do luto, ele ficou encantado com a cerimônia colorida e artística sediada no Teatro Oficina, em São Paulo, onde sua mãe iniciou a carreira e foi homenageada. “Eu senti aquela energia toda e pensei: ‘preciso fazer um filme sobre essa mulher’. Mas eu demorei uns anos para ter coragem”, conta Freire a VEJA. A dificuldade esbarrava na relação complicada do diretor com a mãe, uma mulher solar e talentosa, mas de personalidade forte e instável. “Ela era muito intensa em tudo. Para as coisas boas e as ruins.” Tamanha intensidade é palpável no filme Malu, em cartaz nos cinemas.
Exibido no Festival de Sundance, nos Estados Unidos, e premiado no Festival do Rio, o longa é muito distinto da primeira ideia de Freire. Inicialmente, ele pensou em focar na época em que a mãe estava no auge, nos anos 1970. “Chegou um momento em que parecia que eu estava fazendo um filme do X-Men, de um herói da Marvel. Minha mãe, essa mulher talentosa, forte, lutando contra a ditadura com sua arte”, relembra ele com ironia. A ideia mudou drasticamente quando Freire optou por outro recorte, o da época da decadência – um foco deveras raro para filmes de tramas reais, especialmente entre famílias.
A produção, que mistura fatos e ficção, segue Malu, interpretada com brilho por Yara de Novaes, vivendo em uma casa modesta e inacabada na periferia do Rio de Janeiro. Ela divide o imóvel com a mãe (vivida por Juliana Carneiro da Cunha) com quem mantém uma relação ora de calmaria, ora de conflitos bélicos. Elas recebem a visita de Joana (Carol Duarte), que acaba de voltar de uma temporada em Paris e frustra a mãe ao avisar que não pretende morar ali com ela. A personagem de Carol é uma mistura de Freire e de sua irmã, a atriz e produtora Isadora Ferrite. Na época, a família vivia no Recreio dos Bandeirantes, na área onde hoje é a comunidade do Terreirão. “Foi muito difícil voltar de viagem e me deparar com aquela situação precária, uma casa caindo aos pedaços, minha mãe e minha avó brigando. Decidi enfrentar aquele momento e fazer esse filme.”
A decisão, apesar de dura, foi acertadíssima. Não faltam na história do cinema, especialmente o nacional, exemplos de cinebiografias exageradas, de heróis e celebridades com raros sinais de vulnerabilidade. Sendo assim, Malu é um filme que transborda honestidade – característica que se reflete no trio de atrizes que dão show em cena. “Eu falei pra minha psicanalista que ela deveria ver o filme, assim eu economizaria umas dez sessões”, brinca Freire. “‘Ao fazer um filme sobre minha mãe, consegui perdoá-la.” E, de quebra, entregou uma pérola rara ao cinema brasileiro.