Em 7 de abril de 1831, Dom Pedro I abdicou do trono brasileiro e embarcou em uma fragata britânica de volta à Europa. Visto como traidor pelos portugueses e rejeitado pelos brasileiros, decidiu retornar para lutar contra o irmão Miguel pelo trono, em prol de sua filha mais velha, Maria II. Após um período na França, ele partiu em 1832 para o Norte de Portugal, e lá iniciou a guerra contra o irmão. O trajeto de pouco mais de dois meses entre Brasil e Europa é recontado agora no filme A Viagem de Pedro, de Laís Bodanzky, que chega aos cinemas no dia 1º de setembro, com Cauã Reymond na pele do primeiro imperador do Brasil.
Recorte pouco conhecido da história do monarca, o longa apresenta ao público um Pedro decadente, longe da imagem gloriosa e heroica retratada no quadro Independência ou Morte, de Pedro Américo (ou no filme homônimo chapa-branquíssima de 1972). “É um Pedro muito diferente do que eu conhecia na sala de aula”, conta Cauã Reymond, que viveu nas telas um homem atormentado pela impotência sexual, epilepsia e rompantes de raiva. Em entrevista a VEJA, o ator comentou sobre a imagem controversa do personagem e a mensagem da produção, que chega aos cinemas às vésperas do bicentenário de Independência, e um mês antes das eleições. Confira:
Dom Pedro I é uma figura controversa. Há quem ame e quem odeie. Qual é sua visão sobre ele depois de mergulhar no personagem? Tive a sorte de meu primeiro personagem ser Dom Pedro I, quando tinha 10 anos, em uma peça na escola. Na época, eu o retratei como um grande herói. Ao longo dessa caminhada de pesquisa com a Laís Bodanzky, diretora do filme, chegamos a um Pedro epilético, machista e violento. Um cara que se dizia liberal, mas que agia como ditador quando estava inseguro. Vimos que ele não era um estrategista político, mas sim um estrategista militar.
Estamos em um momento no Brasil e no mundo em que a história vêm sendo revisada sob um ponto de vista mais crítico. Como o filme se encaixa nisso? Acho que ele convida o espectador a dialogar com um personagem contraditório em um país contraditório. Estamos às vésperas do bicentenário e das eleições, então o filme acaba sendo um ato político. Convido o público a receber essa mensagem para que a gente possa começar a repensar o Brasil.
Você citou que encontrou um Dom Pedro machista, tóxico. Também vemos um homem lidando com impotência sexual e problemas emocionais. Há uma mudança na forma de representar a masculinidade no cinema? Acredito que sim, principalmente no cinema europeu. Hoje falamos mais sobre o poder feminino. A personagem da Isabél Zuaa (escrava fictícia que, no filme, mantém relação com Dom Pedro no navio) é empoderada e conduz Dom Pedro de volta ao prazer, ao mesmo tempo em que o ensina a dar prazer à sua esposa. Não estamos mudando apenas a forma como tratamos os homens, mas também as mulheres e as pessoas de um modo geral, independentemente de sexualidade ou cor de pele.
Além de protagonista, você também é produtor. Que papel esse lugar atrás das câmeras ocupa na sua carreira? É um lugar muito importante. Venho trabalhando como produtor já há algum tempo, em filmes como Tim Maia e Alemão. Isso surgiu de um desejo de ter mais controle sobre a minha trajetória artística. Recebi ótimos personagens ao longo da vida, mas não queria só ficar esperando o telefone tocar com algum convite, quero ser proativo na minha caminhada.
O filme estreia dia 1º de setembro, próximo ao bicentenário da Independência. Qual a importância da data? Como produtor, é o melhor cenário possível. O coração de Dom Pedro está no Brasil. Estamos às vésperas de uma eleição e o bicentenário traz uma camada especial de interesse pelo tema.
Esse interesse está em falta? Sendo sincero, às vezes o cinema brasileiro não recebe a atenção que merece. Não tenho nenhum preconceito com blockbuster e filmes de super-heróis, mas tenho um carinho especial pelo nosso audiovisual. Então, ter essa camada extra de curiosidade do público é incrível.
O filme estreou também em Portugal, e a cultura Brasileira é muito presente por lá. Como foi a repercussão? Vi muitas críticas positivas, mas também há certo incômodo. Por lá, Dom Pedro I é Dom Pedro IV, e é um grande herói. Quando desconstruímos um herói aqui, lá ou em qualquer outro lugar, há quem se incomode. Mas acho que essa é a função da arte: apresentar um novo olhar e incomodar de um jeito sutil, e às vezes mais contundente.