Dois homens bem-apessoados são contratados por clientes distintos para resolver um probleminha: no caso, dar sumiço no corpo de um jovem que sofreu um acidente em um encontro casual com uma mulher poderosa. Interpretados com charme e humor por George Clooney e Brad Pitt no filme de ação Lobos (Wolfs, Estados Unidos/Reino Unido, 2024), da Apple TV+, os dois profissionais sem nome são tratados como “solucionadores” — e logo se detestam. Isso porque ambos prezam pela discrição: preferem o trabalho solitário para transitar pelas altas camadas da sociedade — e do crime — com o mínimo de equipamento e pontas soltas. Ao longo da trama, porém, a dupla descobre as vantagens de uma parceria.
Já na vida real, os dois atores também tiveram lá suas desavenças no passado — mas hoje exibem uma das amizades mais poderosas de Hollywood. Em 1991, Pitt estourou com Thelma & Louise, filme no qual interpreta um caubói que se envolve com a personagem de Geena Davis — a Thelma do título (enquanto Susan Sarandon encarnou Louise). Clooney também queria o papel. Na época, ele vivia como galã de séries de TV — posto que Hollywood não levava a sério. Pouco depois, aliás, ele ganharia fama com o popular drama de hospital Plantão Médico. Mesmo assim, o ranço por ter sido preterido por Pitt foi forte: apesar do sucesso de Thelma & Louise, Clooney só assistiu ao longa anos depois que a produção chegou às locadoras de vídeo. O respeito mútuo só veio em 1997, quando Clooney fez um discurso contra os excessos dos paparazzi e dos tabloides no dia seguinte à morte da princesa Diana. Pitt se identificou com as ponderações do colega sobre o assédio midiático. Três décadas mais tarde e agora sessentões — Pitt tem 60 anos, e Clooney, 63 —, os dois são parças, possuem residências próximas e, com Lobos, somam um total de seis filmes juntos.
Ter amigos em ambientes de competição extrema é um alento e um trunfo. Em Hollywood, os exemplos disso são expressivos — especialmente entre os homens, relação apelidada em inglês de bromance (mistura das palavras brothers, ou irmãos, e romance). Amigos de infância, Matt Damon e Ben Affleck tinham 14 quando começaram a pensar na trama de Gênio Indomável, que deu o Oscar de roteiro original a ambos — atualmente, a dupla soma nove produções em conjunto. Também colhem frutos da amizade longeva os veteranos Steve Martin e Martin Short: os comediantes se conheceram em 1984 e fizeram diversos filmes, programas de TV e shows de stand-up juntos. Atualmente, a química patente entre eles dá brilho à série Only Murders in the Building, no Disney+.
No caso de Clooney e Pitt, assim que as rusgas acabaram, os dois lucraram alto ao estrelar a trilogia bilionária iniciada por Onze Homens e Um Segredo (2001). No ano seguinte, Clooney dirigiu uma ponta do colega em Confissões de uma Mente Perigosa, e, em 2008, eles estamparam os cartazes do ácido Queime Depois de Ler, dos premiados cineastas Joel e Ethan Coen. O currículo em comum, reforçado por Lobos, elucida as afinidades dos atores: no mesmo set, Clooney e Pitt gostam de soltar a veia cômica em atuações de forte apelo físico. Em uma cena do novo longa, os criminosos carrancudos devem ler um endereço em um pager. A pose de machões cai quando eles tiram do bolso, ao mesmo tempo, os óculos para enxergar. A idade chega para todos — e sorte dos que têm um amigo para as novas fases da vida.
Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2024, edição nº 2912