Na Veneza do pós-guerra, um aposentado Hercule Poirot (Kenneth Branagh) aceita participar de uma sessão espírita numa mansão supostamente mal-assombrada. Seu objetivo: provar que a morte da adolescente que ali morava — e que teria tirado a própria vida a mando de fantasmas — não teve nada de sobrenatural. Quando um dos convidados é morto, o sagaz detetive atesta que há um assassino entre eles, e coloca suas habilidades à prova para desvendar o crime. A trama de A Noite das Bruxas, já em cartaz no país, conjuga os elementos típicos das histórias de Agatha Christie (1890-1976): um mistério dentro de outro mistério ainda mais mirabolante, do qual Poirot puxa o fio da meada para desenrolar mais um caso complicado. Ocorre que a terceira incursão pelo universo da autora inglesa feita pelo diretor e protagonista Kenneth Branagh expõe uma verdade não menos complexa: adaptar seus romances criminais para a tela, mantendo-se fiel ao magnetismo original, mas sem deixar de ser atraente para a audiência atual, é uma tarefa inglória.
A noite das bruxas
Assassinato no Expresso do Oriente
Com mais de setenta obras publicadas, Agatha permanece quase imbatível em popularidade — já vendeu mais de 2 bilhões de livros, marca só superada por um autor clássico como Shakespeare. Mais que isso, ela teve contribuição decisiva para propagar o whodunit, a fórmula pop baseada no notório “quem matou”. E é aí que mora a questão: o formato se tornou tão manjado, até mesmo nas novelas, que é desafiador reciclá-lo com algum frescor. “Quando eu era mais novo, ela era vista como antiquada e fora de moda”, contou a VEJA James Prichard, bisneto da autora e produtor-executivo da trilogia de Branagh. “Mas boas histórias não envelhecem. Elas funcionam em qualquer época.”
A opinião tem fundamento: apesar da estética retrô, as criações de Agatha ainda seduzem. A chave para honrar a dama do mistério não é adaptá-la de forma literal, mas captar o espírito farsesco e o charme britânico de seus livros. Sem se inspirar em nenhum deles, mas bebendo com louvor de sua essência, produções como Entre Facas e Segredos (2019) chegaram lá. O mesmo não se pode dizer das três adaptações de Branagh. Assassinato no Expresso do Oriente, Morte no Nilo e, agora, A Noite das Bruxas são até simpáticas, mas pecam pela reverência e previsibilidade. Do ponto de vista dos herdeiros, porém, a empreitada é válida: os filmes são, afinal, um jeito de manter Agatha em voga. “Essas produções levam o trabalho dela a um público mais amplo. Esperamos que leiam mais livros e assistam a outras coisas”, diz Prichard. Ao menos nos negócios, o crime compensa.
Publicado em VEJA de 15 de setembro de 2023, edição nº 2859
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