A maior herança que podemos deixar para nossos filhos (e netos) é o gosto e hábito pela leitura. Em tempos de coronavírus, nada mais oportuno do que estimular pais, avós, tios e todos os que estão colaborando nos mutirões de apoio às famílias para tratar desse assunto.
São comprovadas as vantagens de habituar as crianças com livros e leitura desde o berço. Isso permite que associem o gosto pela leitura ao prazer de estar com um adulto querido. Por isso, falamos em “leitura desde o berço”. Desde cedo, a criança deve receber doses variadas de leitura ao longo do dia – nas brincadeiras da manhã, nas leituras associadas às rotinas do dia, nas leituras no sofá e, sem faltar, nas leituras na hora de dormir.
Há várias características de uma boa leitura interativa. É preciso explicar os adjetivos boa e interativa. A boa leitura inclui a vontade de ler, o envolvimento do leitor, a prosódia que reflete a interpretação da leitura com foco na criança. A leitura interativa merece maiores explicações.
A interação natural da criança com os livros é colocá-los na boca. Isso ela faz com qualquer objeto – a criança apreende o mundo pelos sentidos. A boca está associada à necessidade e prazer da alimentação. Se não for de comer, pode servir para lamber, mastigar… Enfim, a criança tem suas diversas formas de explorar novos objetos. Livros de pano, livros grossos com lados arredondados, tudo isso evita problemas e ajuda a aproximação da criança com o livro.
Mas tem muito mais. A interação é a conversa em torno do livro – da capa, da contracapa, do autor, da ilustradora, das ilustrações, do enredo, dos ritmos, das músicas associadas. Tudo pode ser objeto de conversa, de interação. Na medida em que a criança cresce, a interação vai se sofisticando – ele identifica os livros, palavras, repete algumas, demonstra preferências. Nada a ver com interrogatórios ou com questionários “cobrando” a leitura.
Mas tem mais. A interação está na conversa – relacionar o que está no livro com o que está no mundo e vice-versa: o carro, o trem, o cachorro, a menina que visita a avó, e assim por diante. É dessa forma que a criança vai aprendendo a estabelecer relação entre o mundo da leitura e a leitura do mundo – a frase de efeito é de Marisa Lajolo.
A leitura interativa é que faz a diferença. Esta é uma das razões pelas quais os estudiosos do tema acreditam na inconveniência dos textos eletrônicos para esta faixa etária. Mas a principal razão vai agora: eletrônicos estão associados com entrega, abandono da criança. O livro físico exige a presença do adulto, e a interação é que faz toda a diferença.
Esta é uma área em que o Brasil vem evoluindo, mas muito pouco em relação a outros países. A quantidade de livros publicados é enorme, mas a qualidade deixa muito a desejar. Saudades da Cosac-Naif! Predominam ainda os livros politicamente corretos, os livros que querem ensinar valores e boas maneiras a qualquer custo ou os livros que querem fazer gracinha com as palavras, mas que raramente conseguem sucesso. Claro que muitos livros excelentes, com boas histórias, mesmo para crianças de zero a quatro anos. E sempre há os clássicos – sempre é possível encontrar boas edições deles.
Em 2010 me apaixonei pelo tema. A razão: tinha obtido sucesso com programas de alfabetização, mas para fazer a criança chegar bem ao 5º ano do ensino fundamental precisava começar mais cedo – com a formação do gosto e hábito pela leitura. No Instituto Alfa e Beto, produzimos um catálogo chamado “Os 600 livros que toda criança deve ler antes de chegar na escola”. O catálogo está superado, mas a ideia permanece: 6 anos, 100 livro por ano, 2 livros por semana. Uma dieta saudável.
E produzimos também um vídeo explicando e ilustrando como fazer leitura interativa.
Em tempos de coronavírus, vale estimular a sociedade a valorizar os livros e a leitura interativa em casa. E, quem puder, que ajude os que não podem a ter acesso a livros e às formas de fazer uma boa leitura. Especialmente nesses duros tempos que vamos enfrentar. Essa, sim, é uma pandemia que deve contaminar a todos.