Encontra-se na pauta do Congresso Nacional a proposta de criação de um Sistema Nacional de Educação. A proposta não só é bandeira, mas constitui antiga reivindicação de vários grupos que lutam pela educação pública de qualidade. Este é mais um item da pauta de iniciativas que levaram à elaboração participativa dos Planos Nacionais de Educação, da BNCC; e que levaram também à constitucionalização do FUNDEB e da eleição de diretores como critério para receber recursos adicionais do FUNDEB.
Embora heterogêneos, esses grupos acabam sendo capitaneados pela extraordinária capacidade de articulação das corporações sindicalistas. Uma das características desses grupos é sua capacidade de pressão sobre o Congresso Nacional – as votações que lhes interessam quase sempre recebem votações unânimes –, fenômeno que se observa raramente naquela Casa ou em qualquer democracia.
A técnica é simples: o parlamentar que não vota a favor desses interesses é devidamente destroçado em suas bases eleitorais como “inimigo” da classe dos professores. Outra característica é forçar a constitucionalização dos temas – dessa forma extingue-se o contraditório e limita-se o espaço para debate e para futuras reformas, deixando o Poder Judiciário na mera condição de conferir a constitucionalidade das ações decorrentes das amarrações constitucionais. É alto o preço a pagar com a excessiva constitucionalização, exacerbada com a Constituição de 1988.
Estamos, portanto, diante de dois problemas. Um deles é o avanço da democracia participativa, que vai tentando progressivamente se substituir à democracia representativa. O segundo é a rendição progressiva do Congresso Nacional às pressões corporativas, o que não se limita ao setor da educação. A falta de programas partidários claros e de disciplina partidária que vincule os parlamentares aos programas de seus partidos facilita o avanço dessas tendências. No encaminhamento da proposta de criação do Sistema Nacional de Educação, possivelmente estamos diante da reedição desses processos, sob o aplauso geral de todos quantos endossam o “grande consenso” em torno das questões educacionais.
Numa série de posts que começa hoje, pretendo compartilhar com o leitor minhas reflexões a respeito da ideia de criação de um “Sistema Nacional de Educação”. Essas reflexões decorrem de um trabalho que venho desenvolvendo em parceria com a pesquisadora Thais Barcellos, da consultoria IDados. O pano de fundo é a questão do federalismo. Mas o federalismo é apenas o pano de fundo. A proposta de um sistema não afeta nem a organização federalista nem a questão tributária, que permite aos entes federados executar com maior ou menor eficácia as suas atribuições. O que o tal Sistema propõe, de acordo com a minha leitura das propostas em exame, é uma “articulação” entre as três instâncias federativas, com a intenção de promover relações mais harmônicas entre elas.
Nessa série, vamos mergulhar fundo na questão da municipalização e analisar a evolução e resultados das redes de ensino, para entender de maneira mais objetiva e fundamentada o alcance e os limites de políticas destinadas a “ordenar” as relações entre os entes federados.
A esta altura o leitor deverá ter concluído que faço ressalvas a respeito da necessidade ou da eficácia de um tal “Sistema”. Mas isso é menos importante do que a oportunidade de iniciar um novo debate sobre possíveis e mais eficazes caminhos para melhorar a educação no Brasil. Desde, é claro, que nossos parlamentares promovam o que ainda há de melhor no Congresso Nacional, que é o espaço para o exercício do contraditório.