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Filme ‘Maria Madalena’ circula entre ‘Bíblia’ e evangelhos gnósticos

Pouco se sabe sobre a personagem, mas longa preenche lacunas e tenta descobrir a real história da seguidora de Jesus

Por Mariane Morisawa, de Los Angeles
Atualizado em 23 mar 2018, 16h48 - Publicado em 23 mar 2018, 15h16
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  • Contar pela primeira vez a história de Maria Madalena no cinema não foi tarefa das mais fáceis. “Não sabemos praticamente nada dela”, disse ao blog É Tudo História a atriz Rooney Mara, que interpreta a personagem em Maria Madalena, de Garth Davis, em cartaz no Brasil. “Só podíamos juntar os pedacinhos encontrados em livros, cânones e evangelhos.” Para montar o roteiro, Philippa Goslett conversou com padres católicos e pastores protestantes, além de religiosos de outras denominações, rabinos, arqueólogos, historiadores judeus e se baseou bastante no Evangelho de Maria Madalena, que é um evangelho gnóstico (não está incluído no Novo Testamento e é considerado herético por alguns cristãos), publicado apenas na década de 50. A ideia inicial do filme foi de Katherine Bridle, da produtora See-Saw. “Seu desejo era restaurar essa mulher que foi mal interpretada pela história e tentar contar a história de Jesus pelo ponto de vista da mulher”, disse Goslett.

    Maria Madalena não é prostituta

    maria madalena 1
    (//Divulgação)

    As citações a Maria Madalena no Novo Testamento são poucas, menos de vinte. Em nenhuma ela é descrita como prostituta, mas sim como seguidora fiel de Jesus Cristo e testemunha de sua crucificação, sepultamento e ressurreição. O filme explica só no final que a imagem de Maria Madalena prostituta foi forjada quando o Papa Gregório (590-604) juntou três personagens bíblicas em uma só. Mas desde o início fica claro que esta Maria Madalena não é aquela arrependida e tratada com humanidade por Jesus Cristo apesar de ser prostituta e/ou adúltera. “É interessante porque, em 1969, a Igreja Católica consertou essa junção feita por Gregório, mas isso não foi repassado para os fiéis”, disse Philippa Goslett. “Tem essa ideia de que ou ela era prostituta ou era mulher de Jesus Cristo”, acrescentou, referindo-se a versão que ficou famosa graças a livros como O Código Da Vinci. “Está na hora de vê-la como ela é descrita na Bíblia, uma figura espiritual por si mesma, fora dos estereótipos de gênero”, completou a roteirista.

     

    Passado de Maria

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    (//Divulgação)

    Maria Madalena tinha esse nome provavelmente por ser de Magdala, uma vila na Galileia. Para criar seu passado, Goslett precisou fazer um exercício lógico. “Magdala era uma vila pesqueira. Então provavelmente ela era parte de uma família de pescadores”, disse Goslett. Assim, no filme, Maria Madalena aparece pescando antes de se encantar com as pregações de Jesus Cristo (interpretado por Joaquin Phoenix).

     

    Maria possuída

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    (//Divulgação)

    Numa das cenas do filme, Maria Madalena se recusa a se casar – para a época, ela já tinha passado da idade. Por isso, é exorcizada, com presença de sua família, quase sendo afogada no mar. Depois, Jesus Cristo vem e diz que não há demônio ali, que ela não está possuída. E assim ela passa a segui-lo. O tema é controverso. O Novo Testamento fala que Jesus expulsou sete demônios de Maria Madalena. Lucas 8:1-2 diz: “Algum tempo depois Jesus saiu e viajou por cidades e povoados, anunciando a boa notícia do Reino de Deus. Os doze discípulos foram com ele, e também algumas mulheres que haviam sido livradas de espíritos maus e curadas de doenças. Eram Maria, chamada Madalena, de quem tinham sido expulsos sete demônios (…)”. O roteirista do filme decidiu então significar esses demônios. “Naquela época, possessão demoníaca era um termo usado para sintomas de coisas que hoje vemos como problemas de saúde ou doenças mentais. Ou simplesmente quando alguém era diferente. Quando alguém não se encaixava nos moldes da sociedade. E foi nessa direção que fomos com Maria. O que significaria ser diferente naquele tipo de sociedade?”

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    A motivação de Judas Iscariotes

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    (//Divulgação)

    Em Maria Madalena, Judas Iscariotes (Tahar Rahim) é um dos discípulos mais próximos de Jesus Cristo. Tendo perdido sua família na ocupação romana, ele acredita que o Reino de Deus prometido por Jesus vai lhe devolver mulher e filha. Assim, sua traição se dá porque ele quer apressar Jesus a fazer sua revolução. “Um dos evangelhos que mais usamos foi Marcos, que diz que Judas decidiu trair Jesus e depois disso recebe a oferta de dinheiro”, diz Goslett. “Na minha opinião, a ideia de que alguém que passou tanto tempo com Jesus e dentro do movimento, com sua ênfase de desapego, seria motivado por dinheiro não parecia realista. Daí foi uma questão de pensar que todo o mundo ao redor de Jesus tinha uma ideia do que seria o reino de Deus. E era uma ideia comum que, quando o reino de Deus viesse, os mortos literalmente se levantariam, a terra daria à luz os mortos. Foi uma combinação desses fatores para dar a Judas uma motivação que não pudesse ser facilmente descartada, como a ganância. Era mais um amor equivocado.” Na Bíblia, Judas Iscariotes é o vilão e não há menção de família. Para Marcos, Judas recebeu oferta de dinheiro, mas não ficou claro se foi sua motivação. Em Mateus, Judas pergunta quanto vai levar. Em Lucas e João, o demônio entra em Judas, fazendo com que traia Jesus. No Evangelho de Judas, que é um evangelho gnóstico, Judas seria o mais fiel seguidor de Jesus, aquele encarregado de ajudá-lo a cumprir sua missão na Terra: morrer para nos salvar.

     

    A morte de Judas

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    (//Divulgação)

    O que aconteceu com Judas Iscariotes depois também é polêmico. No filme, depois de presenciar a crucificação, Judas Iscariotes, percebendo o que tinha feito, se enforca. Não há menção de dinheiro. Em Mateus 27, ele se enforcou depois de tentar devolver o dinheiro recebido. Em Atos 1:16-19, ele caiu e teve as entranhas derramadas. “Confiei nos roteiristas e na pesquisa”, disse Garth Davis. “Estávamos procurando o lado humano e espiritual. Podemos discutir os detalhes para sempre. Os especialistas divergem: uns acham que ele se enforcou numa árvore, outros descrevem um campo de pedras.”

     

    Pedro, o questionador

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    (//Divulgação)
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    Em Maria Madalena, Pedro (Chiwetel Ejiofor) é um dos discípulos mais importantes, junto com Judas Iscariotes e Maria Madalena. Na Bíblia, normalmente ele é citado antes dos outros onze apóstolos e considerado uma espécie de porta-voz – mais tarde, claro, foi fundador da Igreja Católica e seu primeiro papa. “O Pedro do Novo Testamento é a versão preferida”, disse Ejiofor. “Mas no Evangelho de Maria há uma versão um pouco mais complicada, de alguém mais questionador. Isso me pareceu bastante interessante.” No filme, Pedro reage quando Maria Madalena é incorporada ao grupo, argumentando que isso vai ser malvisto pelas pessoas. “Esses homens e essa mulher estavam vivendo as circunstâncias mais extraordinárias, especialmente após a ressurreição de Lázaro. Obviamente há ideias sendo discutidas, contestadas, dificuldades. Para mim parece plausível que Maria ficasse no meio de tudo isso. Qualquer poder que tivesse poderia incensar alguns dos homens, caso Maria se tornasse mais poderosa que eles na relação com Jesus. Para mim é uma dinâmica de escritório que ainda enfrentamos. Parece plausível que fosse assim 2.000 anos atrás.”

     

     

    Pedro negro, Jesus branco

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    (//Divulgação)

    A imagem que a maioria das pessoas tem de Jesus Cristo e seus apóstolos foi forjada pela arte e pelo cinema. Nos quadros e filmes, eles quase sempre são loiros e de olhos claros. A Bíblia não faz referências à aparência física. Mas é certo que na região onde Jesus caminhou as pessoas não são todas brancas de olhos azuis. No filme, Pedro é interpretado por Chiwetel Ejiofor, ator inglês de origem nigeriana, e Judas Iscariotes por Tahar Rahim, francês de origem argelina. “Levei em conta que nem todos eram brancos, provavelmente. Temos diversidade no elenco”, explicou Garth Davis. Mas, para os papéis de Maria Madalena e Jesus Cristo, escolheu dois brancos, Rooney Mara e Joaquin Phoenix. “Minha responsabilidade é ser verdadeiro emocionalmente e precisava de atores especiais”, disse.

     

    Maria apóstola

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    (//Divulgação)

    O letreiro final do filme informa que Maria Madalena foi reconhecida pela Igreja como “apóstola dos apóstolos”, por ter anunciado para os outros a ressurreição de Jesus Cristo. Em 2016, o Vaticano dedicou a Maria Madalena um dia oficial de festa no Calendário Romano Geral e reafirmou sua importância como evangelizadora. O filme mostra que Maria Madalena teria uma compreensão única dos ensinamentos de Jesus: que o reino do paraíso está em nós mesmos. Esse entendimento vem de sua relação especial com Jesus. Pedro acredita que a mudança precisa se dar na sociedade. E questiona por que Jesus diria isso só para ela. Essa parte vem diretamente do Evangelho de Maria. “Será que ele realmente conversou em particular com uma mulher e não abertamente conosco? Devemos mudar de opinião e ouvirmos Maria? Ele a preferiu a nós?”, pergunta Pedro no evangelho gnóstico. “Pedro era interessante como personagem porque ele é muito vulnerável”, disse Philippa Goslett. “Ele fala como sua vida foi despedaçada pela chegada de Jesus. Ele sempre tenta fazer o melhor para apoiar Jesus e, sendo prático, ao mesmo tempo lidar com esse novo elemento no grupo, que é a presença de uma mulher. Em dado momento ele a aceita como semelhante. A tragédia para Pedro no fim é que sua dor é tão profunda que ele reage mal a Maria. Tentamos tornar os personagens tão humanos e empáticos quanto possível. E cada um dos personagens está agindo com amor.” A importância de Maria Madalena teria sido minimizada no Novo Testamento por interesse da Igreja. “Quando uma voz é silenciada, os outros apóstolos ficam livres para escrever o que quisessem sobre ela e para descrever esse evento como algo masculino e patriarcal nos livros de história”, disse Ejiofor. “E adocicar os outros personagens também, como se todos fossem bacanas e tranquilos. Tudo pareceu plausível. Dois anos atrás a Igreja admitiu que as informações sobre Maria Madalena estavam erradas. Então isso reforça essa ideia de que foi manipulada ao longo do tempo para representar uma agenda patriarcal.”

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