Em fevereiro de 2017, o presidente russo Vladimir Putin sancionou uma lei, previamente aprovada pelo Congresso, que descriminaliza a violência doméstica.
Se um homem bater em sua esposa ou nas crianças, mas não deixar marcas ou não quebrar ossos, ele não é mandado para a prisão. Apenas precisa pagar uma multa ou praticar trabalho voluntário.
O sujeito só corre o risco de ir para atrás das grades se abusar mais de uma vez em menos de um ano. Para enquadrá-lo, contudo, é necessário que as vítimas colham as evidências necessárias para apresentá-las em uma corte.
A Rússia tem números bem tristes de violência doméstica. Um estudo de 2005 com 2200 pessoas em 50 cidades mostrou que 70% das russas sofriam algum tipo de violência — física, sexual, econômica ou psicológica — por parte de seus maridos.
O índice de homicídios de mulheres é de 6 para cada 100 000 habitantes. No Brasil, é de 4,4 para 100 000.
A Igreja Ortodoxa é parcialmente responsável por isso. Para seus adeptos, a força física conta com a aprovação de deus e é uma maneira de os pais orientarem suas esposas e filhos.
Quando a nova lei entrou em vigor, o padre Dmitry Smirnov, diretor da comissão do Patriarcado Ortodoxo para assuntos familiares, disse em um programa de televisão que a noção de que o governo pode se meter dentro dos lares e impedir a violência é um exemplo da má influência ocidental. Para ele, a privacidade dos cidadãos deve ser respeitada. “Algumas das coisas que estão acontecendo no norte da Europa agora são de tal modo que nem Hitler poderia sonhar com elas”, disse o religioso.
Outro fator é a tradição. Os russos sempre foram machistas. Mesmo na União Soviética, onde as mulheres foram estimuladas a ir trabalhar, elas tiveram de continuar com os afazeres domésticos. Os homens nunca as ajudaram dentro de casa.
Além disso, no período soviético, movimentos a favor das mulheres não foram permitidos, uma vez que isso poderia enfraquecer o conceito de classes sociais. Desde a Revolução Russa de 1917, a maior parte dos ganhos das mulheres aconteceu por decisões do Partido Comunista feitas de cima para baixo. Nunca foram o resultado de uma luta genuína das bases.
Sobre o feminismo atual na Rússia, diz o historiador Angelo Segrillo, em seu livro Os Russos (Contexto): “Várias organizações defendem os direitos das mulheres, mas muitas russas são tradicionalistas e rejeitam o feminismo do tipo ocidental. Testemunhei o feriado do Dia das Mulheres (8 de março) sendo comemorado com discursos que exaltavam, em sua maioria, o papel das mulheres como mãe! Nesse dia, as mulheres recebem flores dos homens”.
O problema disso é que, quando o comunismo acabou, não havia qualquer movimento feminista autêntico e com força suficiente para contrabalançar a ascensão da reacionária Igreja Ortodoxa.