Hoje há no Rio de Janeiro 850 favelas totalmente dominadas pelo tráfico. Nelas vivem cidadãos cujos direitos e garantias individuais foram capturados pela bandidagem, numa situação representativa de potencial risco para o Brasil todo, assim definida pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann: “Quem controla o território controla o voto e conquista o poder de ocupar espaços na administração pública”.
No tocante à violência e à evidente perda de terreno do Estado nesse combate, o caso do Rio não se circunscreve àquelas regiões. Alastra-se pela cidade e, como demonstram os constantes pedidos de governadores por ajuda do Exército para a manutenção da ordem e a preservação da segurança do público, vai tomando conta do país, sem que as autoridades consigam conter o crescente domínio do mal.
Onde vamos parar? Jungmann não sabe ou não quer explicitar previsões catastróficas. Sabe, no entanto, que vamos de mal a pior e que providências urgentes e radicais são imprescindíveis para evitar que o Brasil viva, amanhã, a “tempestade perfeita” que hoje assola o Rio, tomado ao mesmo tempo por crises moral, administrativa, econômica, fiscal e de segurança.
Na opinião dele, o estado cartão-postal seria um “caso clássico” de intervenção federal. E por que não se faz, dada a prerrogativa da União nos casos mais graves? “Porque isso suspende emendas constitucionais, o que de início impediria a reforma da Previdência, mas também porque não há dinheiro para que a União possa assumir os compromissos necessários.”
Três ações, no entender dele, poderiam ser postas em prática: a criação de uma Guarda Nacional permanente que não subtraísse efetivos das polícias militares estaduais, uma coordenação competente entre Polícia Federal, Ministério Público, Poder Judiciário e Sistema Prisional e a aprovação de legislação especificamente voltada para o crime organizado.
Isso a prazo curtíssimo, embora na dependência de improvável entendimento entre as áreas citadas. A médio e longo prazos, o ministro defende uma revisão constitucional no capítulo da segurança pública, devido à “falência” do arcabouço legal criado pela Constituição de 1988.
“Na época, com o regime militar ainda muito próximo, o constituinte achou por bem desmontar o então sistema centralizado, deixando a segurança pública ao encargo dos estados. Foram transferidos 85% das funções. À União coube o restante e, ao contrário do ocorrido na Saúde e na Educação, não ficou assegurado nenhum repasse do Orçamento para o Ministério da Justiça.”
Em miúdos: “Não podemos fazer nada. Não temos recursos nem autorização legal para agir”. Além disso, acrescenta o ministro, “há trinta anos o crime não era organizado nem transnacional e internacional como hoje”.
Diante disso, segundo Jungmann, temos um Estado de mãos amarradas e boca convenientemente fechada pelo acordo tácito entre o poder público e o poder dos sindicatos do crime: “Não mexa comigo que não mexo contigo”. Na prática, uma rendição aos sequestradores de funções institucionais, direitos e garantias individuais.
Publicado em VEJA de 7 de fevereiro de 2018, edição nº 2568