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Não esqueça dos cannoli!

O sucesso de um docinho siciliano em formato de tubinho e recheado com ricotta, depois de aparecer em “O Poderoso Chefão”, de 1972

Por J.A. Dias Lopes 3 out 2018, 03h35
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  • Quando o marido saía de casa com dois comparsas, a mulher gritou para o gordo e submisso Peter Clemenza (vivido pelo ator Richard Salvatore Castellano), braço direito do chefão mafioso D. Vito Corleone (Marlon Brando): “Não esqueça dos cannoli!” Encomendava uma bandeja do docinho siciliano em formato de tubinho, frito em óleo, tradicionalmente recheado com ricotta de ovelha, frutas cristalizadas, raspas de laranja, chocolate picado e finalizado com açúcar de confeiteiro.

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    A cena é do primeiro filme da trilogia norte-americana O Poderoso Chefão, também conhecido por O Padrinho e The Godfather, de 1972, dirigido por Francis Ford Coppola. Os comparsas de Clemenza eram o dissimulado motorista Paulie e o frio pistoleiro Rocco. Oficialmente, o trio ia comprar colchonetes para o “baixo clero” mafioso dormir.

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    Mas Clemenza levava o motorista Paulie para ser assassinado pelo pistoleiro Rocco. Era por vingança. Alegando doença, ele havia faltado ao serviço no dia do atentado à vida de Don Corleone. Pairava sobre Paulie a certeza de cumplicidade com o inimigo. Antes da execução, Clemenza pediu ao motorista que parasse o automóvel no qual os três se encontravam. Disse precisar urinar. Enquanto fazia xixi do lado de fora, o pistoleiro Rocco, sentado no banco de trás, atirou em Paulie e abandonou seu cadáver e o veículo, acompanhando Clemenza, que não esqueceu de levar o pacotinho dos cannoli, comprado pouco antes.

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    Depois de aparecerem nessa cena dramática de O Poderoso Chefão, os cannoli ganharam notoriedade mundial. Hoje, são populares inclusive no Brasil. Chegaram aqui com os imigrantes sicilianos vindos para São Paulo entre os séculos XIX e XX. Entretanto, só eram saboreados em determinados círculos, um dos quais não era tão restrito assim: nos jogos disputados no campo do Clube Atlético Juventus, da rua Javari, no bairro paulistano da Mooca. Prepara-os até hoje um homem chamado Antônio Garcia, agora com o sobrenome rebatizado para Antônio Cannoli.

    Ele garante ter aprendido a receita com a mãe e a prepara da mesma forma há mais de 50 anos. Inicialmente, vendia o docinho nos campos de futebol de várzea que proliferavam na região. “Comecei ainda criança”, revela. A grande popularidade, porém, aconteceu depois de O Poderoso Chefão. Uma das responsáveis pela maior difusão dos cannoli foi Helena Zamperetti Morici, dona do Taormina Ristorante Siciliano, na Alameda Itu, no bairro de Cerqueira César, cuja receita autêntica estamos publicando.

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    Começou a vender o docinho na década de 1980, justamente quando aconteceu a febre dos cannoli. Atualmente, ele pode ser encontrado em toda a cidade de São Paulo, com destaque para os que são feitos pelas confeitarias Di Cunto, Dolci Magie, Venchi Chocolate and Gelato, no complexo gastronômico Eataly, Gioia Caffe e nos restaurantes Vinarium, La Frontera e Scalinata Pizzeria Gourmet.

    O Poderoso Chefão, baseado na obra homônima do escritor ítalo-americano Mario Puzo, conhecido pelos livros de ficção sobre a máfia, é considerado um dos melhores filmes já realizados no mundo. Realista, violento e eletrizante – impossível desgrudar os olhos da tela ao assisti-lo -, aproxima-se da perfeição artística. Tudo é elogiável no longa-metragem, o roteiro, a montagem, os diálogos, a fotografia, a música que ouvimos etc. Aliás, a trilha sonora foi composta por uma estrela do gênero, o milanês Nino Rota.

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    cannolo (singular de cannoli) virou emblema internacional da rica gastronomia da Sicília, principal ilha do mar Mediterrâneo, cuja capital é Palermo, com destinos fascinantes: Catânia, Messina, Caltanissetta Taormina, Siracusa, Etna, Agrigento, Trapani etc. Baseia-se em receita antiquíssima. Segundo o duque italiano Alberto Denti di Pirajno, no livro Siciliani a Tavola: Itinerario Gastronomico da Messina a Porto Empedocle (Longanesi, Milão, 1970), a receita surgiu no tempo da ocupação árabe na região, que estiveram ali do século IX ao XI.

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    “O cannolo não é um doce cristão, a variedade dos sabores e a faustosidade da composição denunciam uma indubitável origem muçulmana”, sustenta. O duque Pirajno conta que a receita foi aperfeiçoada em um convento de Caltanissetta, em cuja comuna também existiu um harém. Como se sabe, todo o emir (título de nobreza islâmico) era polígamo. Coincidentemente, o nome Caltanisseta deriva do árabe. Viria de kalt el nissa, que significa castelo das mulheres.

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    As odaliscas faziam doces para receber o emir. Uma das receitas seria um primitivo cannolo. Não por acaso, apresentava formato fálico. Conforme o duque Pirajno, depois da expulsão dos árabes da Sicília uma das mulheres do emir se converteu à fé cristã e levou o doce para o convento no qual se internou. Posteriormente, os cannolli passaram a ser feitos para o Carnaval. Hoje, são saboreados no Natal, réveillon e no ano inteiro, às vezes com variações. Em Catânia e Messina levam creme de confeiteiro ou chocolate; em Palermo, eram famosos os cannoli gigantes, preparados no convento de Santa Caterina, no coração histórico da cidade.  

    A versão do duque Pirajno pode ser procedente, mas enfrenta um problema. Vários séculos antes dos árabes invadirem a Sicília, Marco Tulio Cicero (106-43 a. C.), célebre orador e interprete da alma e da cultura latinas, referiu-se a um docinho semelhante. Se non è vero, è ben trovato (“Se não é verdade, está muito bem inventado”).

    RECEITA

    CANNOLI SICILIANI

    Rende cerca de 80 pequenas unidades 

    INGREDIENTES 

     TUBINHOS DOS CANNOLI

    .500 g de farinha de trigo

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    .50 g de gordura vegetal

    .150 g de açúcar

    .3 gemas de ovos

    .1 pitada de sal

    .1/2 a 1 copo de vinho branco

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    .Clara de ovo para pincelar

    .Óleo para a fritura

    CREME DE RICOTTA

    .1 kg de ricotta de leite de ovelha

    .400 g de açúcar

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    .1 colher (café) de essência de baunilha

    .5 g de canela em pó

    .100 g de chocolate meio amargo picado

    .Frutas cristalizadas picadas a gosto

    .Pistache picado a gosto

    DECORAÇÃO

    .Tirinhas de casca de laranja cristalizadas

    .Glaçúcar para polvilhar 

    PREPARO 

    TUBINHOS DOS CANNOLI

    1.  Misture muito bem a farinha de trigo com a gordura vegetal, o açúcar, as gemas e o sal.

    2.  Acrescente o vinho branco aos poucos e trabalhe a massa até ficar  bem lisa e homogênea.

    3.  Deixe a massa descansar por 1 hora, coberta com um guardanapo. Abra-a com o rolo na espessura de 2 mm e corte-a em quadrados de 12 cm de lado.

    4.  Enrole os quadrados de massa em cilindros de madeira (os melhores são feitos com cabo de vassoura) ou de metal usando a clara de ovo para sobrepor e fechar as extremidades da massa em torno dos canudos.

    5.  Frite os cannoli, poucos por vez (sem retirar os canudos), em óleo bem quente e abundante. Depois de fritos, deixe-os esfriar em papel absorvente e, cuidadosamente, puxe os canudos que serviram de molde.

    CREME DE RICOTTA

    6.  Misture bem a ricotta com o açúcar, a essência de baunilha e a canela em pó, até obter um creme homogêneo.

    7.  Deixe descansar por duas horas e passe esse creme duas ou mais vezes por uma peneira bem fina.

    8.  Misture então o chocolate picado, um pouco de frutas critalizadas e um pouco de pistache.

    FINALIZAÇÃO

    9.  No momento de servir, recheie os cannoli com o creme de ricotta.

    10. Decore com as tirinhas de casca de laranja cristalizadas e polvilhe com o glaçúcar. 

    Receita preparada pela chef siciliana Helena Zamperetti Morici, de São Paulo, SP.

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