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Dias Lopes

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Bacalhau à Italiana

Os portugueses são campeões no consumo per capita do bacalhau, mas os italianos dizem ter a receita mais preparada no mundo

Por J.A. Dias Lopes 4 fev 2019, 17h34

O país que mais consome bacalhau per capita no mundo é Portugal: 6 kg anuais, equivalentes a 60 mil toneladas. Sua população saboreia há séculos esse peixe desidratado e versátil, que pode ser cozido no vapor, em água, grelhado, assado, frito, na panela de pressão ou no micro-ondas. Os portugueses dizem ter inventado mil maneiras de preparar o bacalhau. Mas os italianos querem ter a receita mais preparada no mundo com o peixe capturado nas águas frias do mar Atlântico Norte, no Círculo Polar Ártico. Chama-se baccalà alla vicentina.

Postas de bacalhau são polvilhadas com farinha de trigo, queijo ralado e cozidas rapidamente na panela com um molho à base de aliche, alho, cebola, salsinha, vinho, manteiga e leite; vão ao forno para finalizar, em lenta ebulição; chegam à mesa acompanhadas de polenta. Como o nome indica, a receita surgiu em Vicenza, comuna histórica da região do Vêneto, considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco. É prato tão apreciado ali que originou a Venerabile Confraternità del Baccalà alla Vicentina, criada em 1987 para protegê-lo das preparações desfiguradoras.

Restaurantes de cozinha italiana na Europa, América, Ásia e África o oferecem no cardápio – daí a difusão internacional do prato. A receita original manda elaborá-lo com stoccafisso, stocco ou merluzo seccato, desidratado seguindo o mesmo processo do bacalhau que conhecemos no Brasil, porém sem adição de sal.

Portanto, são irmãos diferentes. Teoricamente, cinco peixes podem ser transformados em stoccafisso e bacalhau. O primeiro é o Cod Gadus Morhua, o Bacalhau do Atlântico Norte, o legítimo bacalhau; seguem-se o Saithe, o Ling e o Zarbo; o quinto é o Cod Gadus Macrocephalus, o Bacalhau do Pacífico ou do Alaska.

A técnica de preparo do stoccafisso foi criada pelos vikings, guerreiros, comerciantes, navegadores e piratas nórdicos que invadiram, exploraram e colonizaram o Atlântico Norte e parte da Europa entre os séculos VIII e XI. Transformavam-no em alimento para suas longas viagens marítimas. Como não havia sal, secavam-no ao ar livre, sob o frio e o vento, até endurecer.

O clima gelado e estável protegia o peixe dos insetos e prevenia o descontrole bacteriano. Levar o stoccafisso ao fogo requer tempo. Ele fica em água fria, trocada a cada quatro horas, por dois ou três dias. Desse modo, recupera água, volume e maciez. Entretanto, o baccalà alla vicentina pode ser preparado com o peixe desidratado sob sal.

Os vicentinos afirmam conhecer o stoccafisso – que chamam às vezes de baccalà ou de merluzzo –, desde o século XIII, quando sua cidade travou batalha contra a vizinha Verona, pelo controle do estratégico Castello di Montebello, na fronteira entre ambas. Hoje atração turística, a relíquia arquitetônica domina os vales del Marecchia e dell’Uso, oferecendo do alto dos seus 436 metros um cenário que combina natureza, arte e história.

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Os veroneses se protegeram dentro das muralhas do Castello di Montebello e se tornaram inexpugnáveis. O hábil comandante vicentino, porém, enganou-os gritando: “Alto lá, trazemos baccalà e polenta!” Capitulando à oferta tentadora, os veroneses abriram o portão da fortaleza e foram derrotados. Alguns historiadores, porém, desconfiam que o baccalà utilizado como isca teria sido outro peixe desidratado. Apenas o nome era igual.

Oficialmente, os italianos só conheceram o bacalhau no século XV, quando um barco considerado moderno e seguro, cuja proa era arredondada e a vela quadrada, comandado pelo navegador e mercador veneziano Pietro Querini, bateu em uma rocha na costa da Noruega. Levava duas embarcações menores como salva-vidas e saíra da sua terra repleto de vinho Malvasia, algodão, gengibre, pimenta, toras de cipreste, perfumes e sedas. Sobrevivendo ao acidente, ele conseguiu chegar ao arquipélago de Lofoten com o grupo de marinheiros. O acidente aconteceu em 1432. A sorte o conduziu à ilha de Rost, epicentro da pesca do bacalhau.

Pietro Querini havia sofrido outro revés no caminho. Ao atravessar o estreito de Gibraltar, sua embarcação enfrentou uma tempestade desastrosa. Sofreu avarias e precisou aportar para reparos em Lisboa, cidade famosa pelos estaleiros. Ali deve ter ouvido falar no bacalhau. Terminados os concertos, continuou a viagem. No arquipélago de Lofoten, conheceu pessoalmente o cobiçado peixe do Círculo Polar Ártico.

Impressionado com o sabor de sua carne branca, decidiu regressar a Veneza com um carregamento de bacalhau. Mais tarde voltou para buscar mais do alimento que seus conterrâneos, por estranharem o cheiro forte e não o considerarem peixe fresco, receberam com desconfiança. Logo se renderam à novidade. Conservava-se meses a fio e chegava sem estragar ao mais longínquo destino. Assim, tornava-se precioso nos dias de abstinência de carne estabelecidos pela Igreja Católica, que não eram poucos: 60 a cada ano. Sendo abundante e barato, todos podiam comprá-lo.

Foi Bartolomeo Scappi, cuoco segreto (cozinheiro secreto) do papa Pio V, quem introduziu o bacalhau na cozinha aristocrática italiana. Divulgou-o no tratado “Opera dell’Arte del Cucinare”, lançado em 1570. Referiu-se ao bacalhau quando falou dos peixes em geral, dos ovos e das sopas. Bartolomeo Scappi mandava dessalgá-lo em água morna e fazê-lo ensopado com azeite e especiarias, ou em um molho da laranja-amarga.

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Paradoxalmente, o patrão do “cuoco segreto” não era um gourmet. Portanto, não aproveitava devidamente o talento do seu cozinheiro. Místico e ascético, Pio V andava de pés descalços, dormia pouco e se alimentava de pães, verduras, caldo de carne temperado com açafrão, sopa de urtiga com amêndoas e leite de jumenta, que bebia por recomendação médica, para combater os dolorosos cálculos renais que terminaram por despachá-lo deste mundo. Sua vida extremamente regrada e o fato de haver restaurado a disciplina do papado, elevaram-no à glória dos altares. Entretanto, Pio V deixava Bartolomeo Scappi à vontade na cozinha, até porque muitas vezes tinha à mesa tarimbados comilões.

Para a Venerabile Confraternità del Baccalà alla Vicentina, a única receita que rivaliza em prestígio internacional com a que ela protege também surgiu da região: é o baccalà mantecato alla veneziana, cozido e reduzido a um creme pastoso com a adição de azeite, alho, salsinha e depois servido sobre polenta branca ou crostini de polenta – sempre ela, outra veneranda devoção italiana!

BACCALÀ ALLA VICENTINA

Rende 6 porções

INGREDIENTES

. 1 1/2kg de bacalhau em postas

. 1 pitada de canela

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. 1 cebola picada

. 1 dente de alho picado

. 150ml de azeite extravirgem de oliva

. 12 filezinhos de alice dessalgados

. 3 colheres (sopa) de salsinha picada

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. 1 copo de vinho branco seco

. 1 l de leite integral quente

. 80g de manteiga

. 80g de queijo parmigiano ralado

. Farinha de trigo para polvilhar o bacalhau

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. Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

ACOMPANHAMENTO

. Polenta

PREPARO

1. Demolhe o bacalhau por cerca de 48 horas, na geladeira, trocando a água seguidamente. Após, escorra-o, retire a pele, as espinhas e tempere-o com uma pitada de canela e pimenta. Reserve.

2. À parte, em uma frigideira, doure levemente a cebola e o alho no azeite previamente aquecido. Incorpore os filés de alice, a salsinha e em seguida o vinho.

3. Espere alguns minutos para evaporar o álcool e junte o leite quente, a manteiga e misture bem. Ajuste o sal e a pimenta, se necessário.

FINALIZAÇÃO

4. No fundo de um recipiente que possa ir ao fogo (e ao forno), coloque algumas colheradas da mistura de alice.

5. Polvilhe levemente com farinha de trigo o bacalhau que estava reservado e coloque-o, delicadamente, no recipiente. Distribua o queijo ralado sobre o bacalhau e derrame por cima a mistura de alice que sobrou.

6. Leve o recipiente com o bacalhau ao fogo baixo, apenas levante fervura e continue o cozimento em forno moderado (160°C), numa lenta ebulição, até o leite ser completamente absorvido.

7. Emprate o bacalhau sobre a polenta e sirva imediatamente.

Receita preparada pela chef Patrícia Sampaio, do restaurante A Bela Sintra, em São Paulo, SP

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