22 de novembro, 12h48: Minha família enfim soube que sou voluntária de uma pesquisa em busca da vacina contra a Covid-19. Achei por bem não alarmá-la por antecipação. Nem todo mundo entende (ou quer entender) que não somos cobaias, e sim voluntários, que fazemos parte de estudos clínicos sérios e que não estamos nos expondo a riscos não calculados. Cinco dias depois de eu ter recebido uma dose com princípio ativo (ou placebo) – e o segundo orgulhosamente sem nenhum sinal de mal-estar – meus familiares miraculosamente reagiram bem. Eventualmente um falava: “essa menina puxou a quem, meu Deus?”
Não houve qualquer tom de censura. Talvez o mundo esteja mudando. Para melhor.
19h22: Sem sintomas, sem efeitos colaterais. Nada. Toda a ansiedade e somatização dos dias anteriores se foram. Quero contar isso ao estudo clínico da Janssen-Cilag porque cada manifestação de um voluntário conta. Quero, mas o aplicativo em que devo responder diariamente como foi minha jornada está fora do ar. Tento uma, duas, seis, oito vezes e nada. Registro minha temperatura para constar: 35,8ºC.
Penso na chegada de uma data muito importante para a pesquisa: 15 de dezembro. Faltam 23 dias para o dia D. Será uma terça-feira o dia em que voltarei ao Instituto Brasil de Pesquisa Clínica (IBPClin), no Rio de Janeiro, para que avaliem se desenvolvi ou não anticorpos. O IBPClin foi um dos locais sorteados pelo patrocinador do estudo para o que chamamos de “subgrupo de segurança”, uma espécie de testagem extra nos voluntários para ver se está tudo dentro dos conformes. Também me submeterei a essa testagem extra. O resultado, infelizmente, não será divulgado para mim nem para a equipe médica. Assim como todo o material biológico que retiram dos voluntários, vai ser avaliado em Indianápolis, a central de informações deste projeto clínico da Janssen. Mas a resposta, ainda que sigilosa, é importante. Importantíssima.
Isso porque existe uma espécie de “número mágico” em pesquisas como esta, uma cifra que, quando atingida, permite à equipe de médicos projetar o percentual de eficácia da vacina. No caso do Janssen, diz o pesquisador principal do estudo, Luis Augusto Russo, o número é perto de 200, mais especificamente 194. Quando 194 voluntários forem infectados com a Covid, há elementos para abrir o “cegamento” do estudo e ver a quantidade dos contaminados que estavam vacinados com o princípio ativo real e quantos receberam placebos. Com isso, calcula-se em que medida a vacina pode proteger a população. Quem sabe a partir do dia 15 de dezembro eles já saibam se atingiram o “número mágico”.
Até agora a Pfizer anunciou que o imunizante que ela está desenvolvendo protege 90%, a russa Gamaleya alardeou 92% de taxa de eficácia para a Sputnik V, e a Moderna disse ter taxa de imunização de 95% em sua vacina. Para que um produto desta natureza seja aprovado por órgãos como a FDA, a agência americana de Saúde, a eficácia tem de ser, no mínimo, de 50%. A partir da cifra de 50% já se pode pedir à agência reguladora americana o uso emergencial da vacina, mesmo que os estudos tanto da Janssen-Cilag quanto os dos demais laboratórios ainda estejam em andamento.
Em uma pandemia que até o dia de hoje já matou mais de 1,3 milhão de pessoas em todo mundo, vacinas em caráter emergencial são muito bem-vindas.
22h23: O aplicativo continua fora do ar.