O mundo está mudando em uma velocidade difícil de acompanhar. Vivemos a era das frases curtas e dos textos sintetizados com apoio de inteligência artificial para que muitos façam uma leitura dinâmica dos fatos. Estamos cheios de generalistas e poucos especialistas – ao menos dentro da internet. Todo mundo apita sobre economia, política, saúde, não importa o assunto. Lê um parágrafo e se julga profundo conhecedor das coisas.
O acesso à informação todos têm, mas poucos sabem usá-la. Juntam-se a isso os oportunistas, que, com bons títulos, posts e frases cheias de efeito, divulgam informações falsas, que, de tanto circularem, tornam-se verdades absolutas, sem quaisquer questionamentos. Há, também, os que preferem fugir e não acreditar na verdade, porque, nesse caso, ela dói.
O cenário atual conversa diretamente com os desafios ligados ao tratamento da obesidade. O cuidado com uma pessoa acima do peso envolve não apenas dietas, medicamentos e cirurgias. Estamos lidando com um ser fragilizado por uma doença que nem sempre ele mesmo compreende. Portanto, um sujeito vulnerável.
E, aí, lamentavelmente, empresários, influencers e até profissionais de saúde têm se aproveitado dessa fragilidade para enganar quem convive com a obesidade. É trágico imaginar que pessoas que deveriam se pautar pela ética e o respeito ultrapassem todos os limite da ganância e soberba, fazendo mal a quem muitas vezes já está no fundo do poço.
A história é antiga, mas, com a internet e a fábrica de ilusões das redes sociais, as fronteiras são vencidas dia a dia. Quase sempre, a promessa gira em torno dos supostos milagres para o tratamento: fórmulas manipuladas que escondem substâncias proibidas como hormônios e calmantes prescritos por equipes desqualificadas que não deixam a desejar nos quesitos simpatia e persuasão.
Tudo isso, lógico, ambientado em consultórios bem decorados e aconchegantes. Foi preciso comprovar a existência de vítimas dessas imprudências para que mudassem o rumo e proibissem tais condutas. E o último capítulo a que assistimos foram os chips da beleza.
Essas pretensas soluções bebem da indústria das panaceias, que resvalam inclusive em tratamentos estudados e validados. Muito criticada em seu início, a cirurgia bariátrica comprovou ser um método seguro e eficaz. Mas, assim como existem promessas insensatas para remédios e chás, hoje existem oportunistas que, visando ao lucro (não ao paciente), se valem de técnicas absurdas e sem nenhuma comprovação científica, mas vendidas nas redes sociais como inovação ou atalho no tratamento.
Um show de promessas
É grande o número de alternativas disponíveis na internet oferecidas por pseudoprofissionais que vendem o sonho da perda de peso. Elas vão de soroterapia a “chips” implantados. Todas elas têm uma característica em comum: são proibidas ou não recomendadas pelas entidades médicas e agências reguladoras.
Mesmo com a chegada de uma nova geração de medicações para a obesidade (semaglutida, tirzepatida etc.), comprovadamente seguras e eficazes com base em estudos sérios, os charlatões se aproveitam. Como elas chegaram ao mercado com preços altos – prática comum quando envolve investimento em biotecnologia -, o óbvio aconteceu: tem gente enxergando um caminho para o lucro fácil. E logo vemos notícias de Ozempic e afins falsificados por aí.
Imagine uma pessoa com obesidade e todas as aflições, preconceitos, dificuldades e doenças associadas com os quais conviveu até tomar a decisão de se tratar. Descobre um profissional que se intitula fantástico, esbanja seguidores numa rede social que só mostra casos de sucesso e ainda é protagonista de um curso online cinematográfico.
Ao achar que encontrou a solução do seu problema, o paciente é conduzido literalmente para a fantástica fábrica da picaretagem. Tudo parece perfeito, impecável, recheado de pessoas bonitas, até que as coisas começam a mudar. O processo inicia-se quando é feita uma solicitação com dezenas de exames e avaliações, a maioria completamente desnecessária.
Tudo pensado para impressionar. Seguindo, chega a prescrição com os novíssimos medicamentos, mas pela metade do preço. Como isso é possível, se TODAS essas novas medicações estão sob patente? Por ora, ninguém pode produzir ou vendê-las a não ser o laboratório fabricante.
Mas essa turma faz de tudo. É difícil até de acreditar. Trocam-se rótulos, manipulam o que não existe, injetam substâncias trocadas, associam “chips” a uma fantasia de tratamento carimbada por alguém que confortavelmente só tem um propósito: o financeiro.
Engraçado como estamos atentos às redes sociais dos nossos filhos, aos trotes de marginais, mas nos descuidamos na escolha de quem e como irão nos tratar. Temos a inocência de confiar em todo e qualquer profissional de jaleco, até porque é difícil aceitar que alguns deles não fazem o bem.
(Este texto é dedicado a todos os profissionais de saúde que lutam diariamente para o bom cuidado de alguém que precisa de ajuda).