A Lebre e a Tartaruga: uma fábula com lições sobre a obesidade
Busca por atalhos na perda de peso não raro leva a desequilíbrios que resultam no retorno dos quilos perdidos. Tratamento deve se pautar pela constância
O famoso conto da Lebre e da Tartaruga parece permear a maneira como encaramos e tratamos a obesidade hoje. Só que, na história da vida real, os personagens – um tanto humanos – seguem uma difícil trilha que percorre uma imensa floresta de alimentos, hábitos, condições genéticas, psicológicas e até financeiras.
É preciso esclarecer de vez que a obesidade é uma doença marcada por falhas fisiológicas e metabólicas que levam ao ganho de peso. O caminho do tratamento, por si só, pode ser muito difícil. O trajeto é longo e com pedras pelo caminho.
Os pacientes podem sentir medo, frustração, dor, tristeza… E esse percurso é único. Ainda que comam a mesma quantidade e tipo de comida e gastem calorias depois, pessoas com obesidade tendem a acumular mais gordura. Não são preguiçosas ou desleixadas. Como já dito, trata-se de uma doença.
E essa doença se instala, na maioria das vezes, de forma lenta. Há os que se conscientizam e escolhem o tratamento. Mas há também aqueles que abrem mão dessa opção – o que, do ponto de vista da saúde, está longe de ser a melhor escolha.
Todo esse processo de ganho de peso e adoecimento é vagaroso: vêm os quilos a mais e, com eles, doenças associadas, bem como tratamentos que nem sempre surtem a resposta esperada. Com frequência, a busca pela terapia é tardia!
Como médico, entendo essa demora, pois não é fácil viver num contexto em que ninguém te compreende. A doença leva a estigmas, preconceitos, decepções e falta de alternativas. O desafio para mudar passa pelo estímulo que o indivíduo terá para começar a se cuidar.
Este é o início da corrida. E o paciente deve estar (e ser) preparado. A busca pelo tratamento tem o momento certo e leva tempo. Para se tornar leve, a melhor opção não é ser uma lebre. Se a doença é crônica, para vencê-la é melhor andar de forma lenta e contínua como uma tartaruga.
Tem que ter paciência e resiliência. Qualquer opção de tratamento, seja com novos hábitos, medicamentos ou cirurgia, envolve um caminho lento, gradual e de eterna vigília. Pois essa trilha tem diversas armadilhas, com medos, vontades, tentações, decepções.
Mas oferece prêmios também: saúde, vigor, mobilidade, autoestima e longevidade. Tudo que está conosco por muito tempo exige longa dedicação e administração. Vale para o amor, vale para o cuidado com o corpo. Tudo que leva tempo envolve sentimento e disciplina. Cuidamos do que amamos – ou pelo menos deveríamos.
Cada paciente com obesidade tem uma história, uma trajetória. Não há como padronizar: a solução é individualizar sempre. As cirurgias e a nova classe de medicamentos nos tornam lebres. A perda de peso impressiona com sua rapidez, nos sentimos superiores à doença e com isso, de tempos em tempos, descansamos na sombra. E aí reside o perigo: esquecemos que a corrida continua.
Então, devemos agradecer aos recursos da medicina que permitem tornar essa jornada mais efetiva. Mas devemos encarar a obesidade como tartarugas – sim, esses animais fascinantes, calmos e longevos. Pois, com passos lentos e constantes, podemos cruzar uma linha de chegada que, na verdade, está lá no fim da vida. Isso mesmo: vida!