Não sou antropólogo, mas posso dizer que, ao longo da minha jornada como médico, cuidando de pessoas com obesidade por mais de um quarto de século, aprendi muito sobre a humanidade.
Se olharmos para o nosso passado distante, veremos que começamos praticamente vegetarianos, com pouco acesso a caças e, portanto, quase sem proteína animal. Aprendemos a nos defender, a caçar, a dominar o fogo, a extrair melhor os nutrientes da comida. Ficamos cada vez mais inteligentes e fortes – no sentido físico e imunológico.
Pelo processo de seleção natural, hominídeos mais primitivos foram desaparecendo e nós, os Homo sapiens, passamos a dominar o pedaço. Mas estamos longe de ser a espécie que mais durou neste planeta. São pouco mais de 150 mil anos diante dos 2 milhões de anos dos nossos antecessores Homo erectus. Talvez – repito, talvez – eles fossem menos inteligentes, mas sobreviveram uma longa era comportando-se como predadores, e não seres predatórios.
Entre os sapiens, o acesso a uma enorme variedade de alimentos e o desenvolvimento da agricultura, do comércio e da indústria expandiram a oferta alimentar para quase todas as regiões do globo. Nesse decorrer mudamos nossos hábitos. Não precisamos mais correr, caçar, pescar, construir, fugir de ameaças (pelo menos aqui na mesma frequência do passado).
Hoje só precisamos comprar, apertar, desempacotar, esquentar e se alimentar. Até o hábito de preparar o alimento desapareceu na maioria das culturas. Uma “evolução” muito rápida para o corpo do Homo Sapiens, que não está preparado para essa mudança. Junto a esse descompasso evolutivo, vieram as doenças, e a principal delas é a obesidade.
Estar obeso aumenta, percentualmente, o risco de nos tornarmos diabéticos e hipertensos, de apresentar cânceres, de infartar e ter dificuldade para se locomover. Nessas condições, não teríamos chance alguma de correr, caçar ou fugir naqueles tempos.
O que mais me choca é que mesmo com todo desenvolvimento intelectual há uma falta de percepção generalizada sobre o óbvio: se continuarmos assim, ficaremos por pouco tempo nesta Terra.
Estamos tornando o organismo dependente de açúcar e sal de forma muito maior do que ele foi programado originalmente. Comemos, mesmo sem fome, bebemos sem sede e ficamos parados quando deveríamos nos movimentar.
Estamos desprogramando nosso corpo e perdendo o caminho na nossa própria evolução como espécie. Não podemos deixar as coisas assim. Não é culpa de ninguém. Trata-se de reescrever, como sociedade e espécie, nossa própria história.