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‘Sangue Neon’: médico retrata em livro a dramática ascensão da aids

Marcelo Henrique Silva vence prêmio literário com romance sobre a epidemia de HIV no Brasil entre os anos 1970 e 1990. Leia trecho da obra, ainda inédita

Por Marcelo Henrique Silva*
Atualizado em 26 ago 2024, 19h04 - Publicado em 26 ago 2024, 16h30
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  • Os pioneiros da aids dividiam a pequena sala de espera com os leprosos. Ao contrário destes – envergonhados de sua condição e a esconder a pele com todo tipo de tecidos -, os novatos eram homens bonitos com regatas e shorts justos, pelos grossos nas coxas torneadas à mostra. Trocavam prosa leve entre si e combinavam arranjos para os após.

    Dura era a função reservada aos médicos, àquela época sem à disposição de um teste de qualquer natureza que desse certeza sobre o mal. Tinham então de queimar neurônios, buscando na breve experiência diagnósticos alternativos que justificassem aquele ou outro sintoma, esgotando todas as moléstias possíveis até que se chegasse à hipótese final que ninguém queria ouvir, mas que já era óbvia, como tatuagens que lhes brotavam pelos corpos.

    Com o tardar dos meses, o perfil de clientes mudou e eles passavam a imitar os leprosos a cobrir-se com roupas de mangas longas, o corpo inteiro já tomado por lesões de todas as morfologias. Em pouco tempo, já superavam em muito seu número. E a memória histórica dali se transformou, de antro dos leprosos para centro dos aidéticos.

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    O autor: pesquisa histórica e experiência de tratar populações vulneráveis durante a crise da Covid-19 (Foto: Alta Books/Reprodução)

    O paciente tornava-se fonte de ensinamento, laboratório por onde o saber sobre a desconhecida doença se forjava com descobertas e publicações. Eram cutucados, penetrados por sondas, puncionados na espinha, seus físicos metidos dentro de máquinas de todo tipo – tudo para que se descobrissem os efeitos da moléstia pelo lado de dentro do organismo. Internar era muitas vezes necessário, a depender das condições clínicas.

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    Quando, de canudo em mãos, pais e mães a reverenciar e beijar, o decano a cumprimentá-los e o mundo a se abrir, eram como heróis. A caneta, o estetoscópio e a cabeça: o tripé de que se valeriam para curar os males do mundo.

    Competentes para o manejo das doenças oportunistas que apareciam de todo gênero, os novatos não estavam preparados para lidar com o que de mais brutal a epidemia trazia. A sensação de abandono, do paciente e deles próprios.

    * Marcelo Henrique Silva é um médico mineiro com atuação em saúde pública e autor do romance Sangue Neon, vencedor da categoria de livro estreante do Prêmio Alta Literatura. A obra será publicada pela Alta Books no fim do ano

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