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Prescrições: 3 livros para (re)conhecer a cultura africana

Lançamentos oferecem ao leitor brasileiro clássico literário, cosmologia do povo banto e análise das heranças e influências iorubás nas Américas

Por Diogo Sponchiato Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 3 set 2024, 17h30

A história, a literatura e a mitologia da África – ou melhor, das Áfricas – ainda são um território pouco conhecido pelo leitor brasileiro. E isso soa um tanto absurdo, se pensarmos nas raízes do nosso país. Felizmente, há alguns anos desdobra-se um movimento de reparação dessas lacunas – iniciado por editoras independentes e depois encorpado por casas maiores. Graças aos livros que são frutos desse trabalho, a África está mais próxima da gente.

Nesse contexto, pinço aqui três lançamentos que dão um bom panorama da cultura, das tradições e do passado de alguns dos povos do continente que é o berço da humanidade – e que, em sua diáspora, ajudaram a escrever a história deste lado do Atlântico.

O bebedor de vinho de palma

Autor: Amos Tutuola
Tradução: Fernanda Silva e Sousa
Editora: Carambaia

O bebedor de vinho de palma

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O nigeriano Amos Tutuola (1920-1997) é considerado um dos escritores que botaram a literatura africana no mapa-múndi no século XX. Escreveu em inglês, mas a matéria-prima de suas narrativas reside nos costumes, no folclore e nos mitos iorubás de sua terra natal. É o que encontramos em sua obra mais famosa, O Bebedor de Vinho de Palma e Seu Finado Fazedor de Vinho na Cidade dos Mortos, recém-publicada no país.

O romance conta as peripécias de um sujeito bem de vida que, desde muito jovem, passava os dias embriagado até que o empregado que lhe extraía seu néctar alcoólico bate as botas e, na ausência de alguém à altura para a tarefa, decide ir até o “outro mundo” encontrá-lo. Na aventura pelas matas, o protagonista terá inúmeros desafios e assombros pela frente, travando contato com espíritos e criaturas fabulosas e escapando de ciladas com seus amuletos mágicos.

O livro foi celebrado como expoente da literatura fantástica, mas, como esclarece o posfácio da tradutora Fernanda Silva e Sousa, revela, na verdade, uma das características centrais da visão iorubá: não há fronteiras tão claras entre o natural e o sobrenatural, entre o plano dos vivos e o dos mortos. Está aí, inclusive, o encanto do romance. Diluindo os contornos do real, a odisseia do bebedor de vinho de palma também nos faz relativizar grandes certezas e o sentido e o tamanho dos obstáculos no horizonte.

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+ LEIA TAMBÉM: “Há maior interesse pela literatura negra”, diz editor

O livro africano sem título: cosmologia dos Bantu-Kongo

Autor: Bunseki Fu-Kiau
Tradução: Tiganá Santana
Editora: Cobogó

O livro africano sem título

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Nascido no antigo Zaire, atual República Democrática do Congo, o pensador Bunseki Fu-Kiau expõe, em seu primeiro livro editado no Brasil, as bases para a compreensão das leis do universo, do ambiente e da sociedade segundo a concepção de um dos principais povos bantos. O legado de conhecimentos e tradições dos Kongo, mantido por ditos, provérbios e cantos transmitidos de geração em geração, é sintetizado pelo filósofo que deu aulas tanto na África como nos Estados Unidos.

Em O Livro Africano sem Título, conhecemos os princípios cosmológicos, sagrados e éticos que regem o dia a dia de uma comunidade Bantu-Kongo, a exemplo da ligação indissociável entre o bem-estar individual e coletivo e a posse e os cuidados com a terra; do entendimento e da solução dados aos crimes, vistos como reflexos de doenças sociais; do respeito central ao solo e aos cultivos que garantem a sobrevivência; e do papel de sonhos e cerimônias na coesão do grupo.

Fu-Kiau também tece um fio de críticas aos governantes africanos que, negligenciando o corolário de crenças de seu próprio povo, importaram o modus operandi do colonizador europeu, contribuindo, assim, para a manutenção de chagas e conflitos persistentes em boa parte do continente. Com tradução minuciosa e elogiada de Tiganá Santana, a obra sobre a cosmologia dos Bantu-Kongo é uma oportunidade de desbravar uma escola de vida e pensamento que também deitou influências sobre a cultura brasileira, desdobrando-se particularmente nos meios da umbanda e do candomblé.

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A diáspora iorubá no mundo atlântico

Organização: Toyin Falola e Matt Childs
Tradução: Fábio Roberto Lucas
Editora: Vozes

A diáspora iorubá no mundo atlântico

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Depois de publicar uma parruda A História da África, a Editora Vozes traz uma antologia de textos sobre a trajetória e as heranças do povo iorubá no continente americano. Grupo étnico e linguístico originário da África Ocidental, ele foi uma das vítimas da exploração e da escravidão em regiões que se estenderam da Bahia a Cuba. Sua dispersão, por sua vez, viria a reverberar nos rumos dos dois lados do Atlântico.

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Na obra, organizada pelos professores Toyin Falola e Matt Childs, a diáspora forçada é recontada em artigos munidos de farto material de pesquisa. Os especialistas – brasileiros no elenco – investigam desde as condições na área da “Iorubalândia” que favoreceram, sobretudo no século XIX, o tráfico e o uso de pessoas como mão de obra escravizada nas Américas até as particularidades e as repercussões de sua presença no Brasil e no Caribe. Ainda examinam o movimento de regresso de alguns de seus descendentes ao berço africano.

Um dado interessante é que, embora os iorubás tenham vindo em menor número para estas terras na comparação com outros grupos étnicos africanos, sua influência cultural e religiosa se mostrou de certo modo desproporcional e poderosa. Os “nagô” e “mina”, como vieram a ser conhecidos por aqui, difundiram seus orixás e ritos depois incorporados pelo candomblé, por vezes operando uma mistura com as crenças autorizadas na então colônia portuguesa e católica. Algo semelhante ocorreria com a Santeria cubana e o culto aos vodus no Haiti.

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