As alergias são a doença do mundo moderno por excelência. Com a transformação dos hábitos e do ambiente que nos cerca, nosso sistema imunológico passou a ser confrontado com outras “ameaças” – mesmo que, na realidade, elas não sejam autênticos inimigos.
Como mostramos em reportagem recém-publicada em VEJA, as condições alérgicas, que englobam rinite, asma, dermatite e afins, decolaram nos últimos anos. E nada sugere que esse processo será revertido – pelo contrário.
A antropóloga médica Theresa MacPhail investigou as razões, hipóteses e angústias em torno desse fenômeno no livro Alérgicos, da Editora BestSeller. E fala com exclusividade sobre as suas preocupações a respeito.
Alérgicos
Com a palavra, a autora.
O que mais a surpreendeu ou chocou durante a pesquisa para o livro?
O mais surpreendente foi a conversa que tive com os pesquisadores do Hospital Infantil de Cincinnati [nos EUA] sobre os efeitos de longo prazo da poluição do ar não apenas na alergia e na asma, mas também nas maiores taxas de depressão e ansiedade entre jovens adultos. O fato de o material particulado ultrafino dos poluentes ter a capacidade de ajudar o pólen a entrar mais profundamente nos pulmões e a cruzar a barreira hematoencefálica no cérebro, podendo causar uma inflamação que contribui para problemas mentais, me chocou.
Isso porque não mensuramos nada com menos de 2,5 micrômetros e algumas dessas partículas tem 1 micrômetro. Para se ter uma ideia, um glóbulo vermelho do sangue tem 5 micrômetros. Então, mesmo num dia claro, o ar poderia estar repleto dessas partículas sem que a gente saiba. Me tornei muito mais defensora de um ar mais limpo após essas descobertas.
No livro, você aborda as dificuldades em termos de diagnóstico e tratamento das alergias hoje. Qual é o grande desafio para controlá-las?
Acredito que o maior desafio resida na prevenção. Temos sérios problemas com testes diagnósticos, que são críticos para as pessoas receberem o tratamento correto, mas avançamos muito mais nas terapias. Novos tratamentos disponíveis ou ainda em estudos clínicos são realmente promissores. Porém, ainda estamos atrasados em saber como prevenir essas condições. Precisamos descobrir se há alguma coisa que se possa falar aos pais ou um jeito de intervir na infância para encorajar o tipo certo de treinamento para nossas células imunológicas desenvolverem tolerância a uma grande variedade de coisas com as quais temos contato.
Depois dessa extensa investigação, você diria que é mais entusiasta ou pessimista em relação ao nosso futuro diante da alergia? De alguma forma esse trabalho melhorou sua própria relação com a sua condição alérgica?
Eu quero ser otimista, mas receio que as coisas irão piorar antes de melhorarem. Minha esperança é que a ciência possa se aprimorar o suficiente para que sejamos capazes de dar um melhor suporte ao nosso sistema imunológico à medida que ele se desenvolve nesse novo mundo que nós mesmos criamos. Tenho sérias dúvidas sobre a nossa capacidade como espécie de limpar o meio ambiente o bastante para que o mundo seja mais habitável ao nosso sistema imunológico. Todos os meus ovos estão depositados na cesta dos avanços científicos.
Eu acredito que administro melhor minhas alergias. Sou mais proativa do que costumava ser: como melhor (para apoiar meu microbioma intestinal), uso menos produtos na pele (para ajudar a manter minha barreira cutânea), parei de acender velas perfumadas em casa e limito meu tempo ao ar livre em dias de muita poluição. Eu adoraria que os leitores entendessem que não somos totalmente humanos. E temos de manter nossas bactérias, fungos e vírus parceiros felizes para que eles nos mantenham saudáveis.
No fundo, o simples é o melhor. Um pesquisador me disse que, se pudéssemos voltar no tempo e ter uma vida mais simples – não tendo tantos produtos artificiais à nossa volta, por exemplo -, não teríamos tantas alergias. Penso nisso o tempo todo e tento me manter nesse caminho sem abrir mão do estilo de vida moderno.