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O que Darcy Ribeiro tem a dizer sobre o Antropoceno?

Nos ensaios do livro 'Darcy Ribeiro, uma utopia', pesquisadores examinam legados do pensador brasileiro, inclusive ao debate socioambiental. Leia trecho

Por Alexandre de Freitas Barbosa e Stelio Marras*
7 nov 2024, 14h00
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  • Darcy Ribeiro pensa e escreve antes da notável expansão de movimentos sociais e de sua luta por políticas afirmativas as mais variadas – voltadas para a discriminação positiva, reparações históricas e igualação das oportunidades de acesso aos bens e serviços coletivos, como antes ainda das emergências climáticas e ecológicas, que hoje respondem pelo nome de Antropoceno, essa era geossocial, cujas mudanças no clima e no ambiente guardam claro caráter antropogênico.

    E antes também, claro, da insurgência de forças políticas de extrema direita desde a segunda década deste século XXI. Essas forças, aliás, em grande medida se explicam como reação às referidas cenas contemporâneas de avanços sociais, bem como reação aos limites ambientais e ecológicos da atualidade, que inspiram desacelerações na marcha até então timidamente contestada do crescimento, desenvolvimento e progresso.

    Para outro mundo, outras utopias pedem passagem. Para outro regime climático, também outras devem ser as fabulações políticas. Claro está que, desde os últimos escritos de Darcy, tais novidades, no geral imprevistas em seu pensamento, tomaram a cena. Não seria justo exigir, senão incorrendo em anacronia, que Darcy oferecesse respostas aos constrangimentos socioambientais e políticos da atualidade, ao que não estava colocado à sua época, ou não nesses termos e com essa força.

    Darcy Ribeiro, uma utopia

    darcy-ribeiro

    Os pensamentos têm seus mundos, suas ecologias práticas e intelectuais – e vice-versa. Eis por que, para nós hoje, não deve ser opção negar tais constrangimentos na tarefa de bem herdar e deserdar legados intelectuais, como o de Darcy Ribeiro. Tal negação seria desonrar o autor em exame e o éthos crítico e científico que deve nos orientar.

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    Pela lente dos “modos de herdar”, podemos recusar tanto a defenestração como a adesão absolutas ao que é herdado. A título de ilustração, as noções de “transfiguração étnica”, “aculturação”, “deculturação” e “assimilação”, com as quais Darcy operou o seu pensamento, tornaram-se teoricamente obsoletas e etnograficamente indetectáveis. E isso já enquanto Darcy vivia, demonstrando assim que o nosso autor, multifacetado, não acompanhou – ou preferiu não fazê-lo – os novos desdobramentos na antropologia.

    Parece claro que esse seu descompasso ou distanciamento em relação à produção antropológica e etnológica foi decisivo para o seu esquecimento junto à inteligência acadêmica. Ainda sob as pressões de hoje (mas estas pouco visíveis à época de Darcy, reitere-se), noções de progresso e desenvolvimento econômico não se deixam mais passar como evidentes, naturalizadas, refratárias à crítica.

    Por assim dizer, agora a ecologia afronta centralmente a economia. Por isso, é nossa obrigação apontar em Darcy o que, sobretudo atualmente, aparece como insuficiência na sua aplicação de matrizes teóricas de verve evolucionista e marxista. Insistimos que, assim fazendo, buscamos livrar
    Darcy de um “certo Darcy”, tão enraizado nos estilos de pensamento do seu tempo.

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    Feitas essas filtragens, nosso autor ainda para de pé? Não temos dúvida de que sim. É essa a aposta e a descoberta de nosso curso em seu exame rigoroso de um pensador e um pensamento que, devidamente constrangidos, podem em boa medida permanecer como norte ético, científico e político para o Brasil e a América Latina.

    Sim, é possível falar hoje com Darcy sobre a obrigação (ética, política, científica) de se reunir as lutas de gente e de mundo neste momento em que campeiam as mais variadas imaginações de fim do mundo. É possível se nutrir da sua compreensão do país, como implante do capitalismo e  como processo civilizatório específico, engendrando uma formação econômico-social peculiar que age como um “moinho de gastar gente” (nessa sua expressão certamente inspirada em Anchieta) e, dizemos nós, como um moinho de gastar mundo.

    Reunir as duas lutas é o início a partir do qual, a nosso ver, é possível seguir o legado de Darcy hoje!

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    * Alexandre de Freitas Barbosa é professor de história econômica do IEB, e Stelio Marras é professor de antropologia da USP; ambos são coautores de Darcy Ribeiro, uma utopia, a ser publicado pela editora Perspectiva

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