Pelo segundo ano consecutivo, tive a satisfação de participar do Fórum Econômico Mundial de Davos. Em meio à acolhedora estação de esqui nos Alpes suíços, lideranças de diversos países debateram o futuro do planeta. Entre tantos painéis instigantes, reunindo governantes, empresários, acadêmicos e representantes do terceiro setor, alguns me chamaram especial atenção por sintetizar discussões muito atuais no campo da alimentação.
Em paralelo ao constante e necessário combate à fome e à desnutrição, pilar central dos esforços quando tratamos de segurança alimentar, um outro desafio monumental se impôs à pauta do encontro: o de melhorar a qualidade da alimentação das pessoas, já que a obesidade continua sendo uma epidemia global. Ficou evidente durante a pandemia como comer mal torna as pessoas mais vulneráveis: países com maiores índices de obesidade e sobrepeso tiveram mortalidade dez vezes maior que a média global.
“Países com maiores índices de obesidade tiveram mortalidade dez vezes maior que a média global”
No painel “Rumo à segurança alimentar”, acadêmicos e representantes da indústria de alimentos apontaram como medidas aparentemente simples poderiam salvar vidas, poupar recursos públicos e melhorar o bem-estar da população. Medidas, no entanto, que dependem de um compromisso coletivo — de governos, da indústria, da sociedade — que envolve derrubar dogmas e enfrentar visões distorcidas sobre o assunto. O consumo indiscriminado de suco de laranja, por exemplo, tido como saudável décadas atrás, pode causar problemas de saúde por causa de um elevado índice glicêmico. Acrescentar fibras a esses sucos poderia minimizar o problema.
Alguns argumentam que alimentos saudáveis são muito caros, sem considerar que má alimentação, sobrepeso e obesidade provocam incontáveis doenças e sobrecarregam sistemas de saúde em todo o mundo. É o famoso barato que sai caro. Cada dólar gasto hoje no consumo de alimentos inadequados leva a um custo futuro semelhante com tratamentos de saúde. Para melhorar a densidade nutricional no prato das pessoas, uma ideia interessante apresentada no painel seria eleger a cada ano um superalimento nutritivo, porém de baixo custo (a batata-doce, o ovo, a lentilha, a couve, ou a aveia, digamos), produzi-lo em grande escala com o apoio de governos, entidades do agro e empresariais, e promover seu consumo junto à população, com subsídios governamentais e campanhas publicitárias, de forma a torná-lo palatável, atraente e pop.
A biotecnologia também pode ser uma aliada para melhorar nossa alimentação, preservando inclusive o meio ambiente. Plantas poderão expandir suas capacidades. O milho, por exemplo, pode ser adaptado para remover nitrogênio da atmosfera de modo a usá-lo como nutriente, como ocorre com a soja. É inegável que a fome continua a ser um imenso problema mundial, agravado pela pandemia e a guerra na Ucrânia. Mas essa cruzada por alimentação precisa caminhar junto com uma luta por um planeta mais sustentável, que coma melhor e ainda seja mais saudável. Seja numa vila dos Alpes suíços ou nos recônditos da África subsaariana; seja nas cidades ultrapopulosas do Sudeste Asiático ou em aldeias indígenas da Floresta Amazônica. Porque todo mundo merece não apenas comer, mas comer bem.
Publicado em VEJA de 15 de fevereiro de 2023, edição nº 2828