
A sardinha e o salmão são, no prato, uma espécie de Davi e Golias. Contra todas as probabilidades, e da mesma maneira que o jovem corajoso derrota o gigante na história bíblica, o peixinho leva a melhor em relação ao peixão. O salmão, que costuma se oferecer em postas atraentes, reúne todas as condições para vencer uma eventual disputa gastronômica e nutricional. A textura macia, a cor rosada e o sabor suave de sua carne inspiraram chefs do mundo todo a preparar receitas que entraram para o repertório de clássicos da cozinha. Já a modesta sardinha, em geral vendida enlatada, não frequenta os cardápios dos melhores restaurantes e seria uma improvável pièce de résistance num jantar para convidados especiais.
E, no entanto, o nobre das águas gélidas está sendo desbancado pelo mais plebeu dos espécimes que habitam os oceanos. A virada do jogo tem a ver com a poluição ambiental. O salmão, até pelo porte, é um peixe que, além de algas, se alimenta de outros peixes. Já a sardinha, que caberia na palma da mão, não tem tamanho para comer de tudo — é totalmente vegana. Num mundo ideal, o tamanho e a dieta dos peixes não seriam um problema. Mas, num mundo como o nosso, em que os oceanos se transformaram em depósitos do lixo produzido pelo homem, esses são aspectos que não podem mais ser ignorados. Nada seletivo com a comida, o salmão acaba ingerindo mercúrio. Não é o único a apresentar preocupantes níveis do metal tóxico em seu organismo. O atum e o bacalhau lhe fazem companhia, e o peixe-espada chegou a ter até sua comercialização proibida nos Estados Unidos. A sardinha, por sua vez, se mantém mais saudável pela alimentação mais rigorosa e limitada.
“É preciso desmistificar a ideia de que o alimento mais saudável é sempre o mais caro”
Não é de hoje, no entanto, que, mesmo sem espaço na alta gastronomia, o peixinho prateado faz algum sucesso. É uma iguaria típica portuguesa. Em Lisboa, por exemplo, o mês de junho é dedicado à sardinha, em homenagem ao santo padroeiro da cidade, Santo Antônio, que, segundo a tradição católica, pregava aos peixes. O bairro de Alfama, onde tudo acontece, fica tomado pelo aroma da sardinha assada em barracas espalhadas pelas ruas. É uma festa democrática, com portugueses e turistas consumindo sardinha no pão por pouco mais de 1 euro. Sim, além de nutritiva e gostosa, a sardinha é relativamente barata. Por aqui, dependendo do tipo, o preço é equivalente a um quinto do custo do salmão — uma comparação para prestar atenção em tempo de inflação em alta. Mas o valor que mais importa é o nutricional, não o comercial, ou a sardinha não estaria em alta, como se tem notícia, na preferência de milionários na costa do Mediterrâneo.
Aliás, é preciso desmistificar a ideia de que o alimento mais saudável é sempre o mais caro. Preço salgado e qualidade nutricional não andam necessariamente lado a lado. Alguns itens pouco prestigiados estão justamente entre os mais nutritivos. É o caso do amendoim, que, sendo o primo pobre das “nuts”, é o mais rico em proteínas. Outro exemplo é o ovo, já que a clara tem proteína com poucas calorias.
Considere, portanto, se não é hora de puxar a sardinha para a sua brasa.
Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2021, edição nº 2763
Essa é uma matéria exclusiva para assinantes. Se já é assinante, entre aqui. Assine para ter acesso a esse e outros conteúdos de jornalismo de qualidade.
Essa é uma matéria fechada para assinantes e não identificamos permissão de acesso na sua conta. Para tentar entrar com outro usuário, clique aqui ou adquira uma assinatura na oferta abaixo
Informação de qualidade e confiável, a apenas um clique. Assine VEJA.
Impressa + Digital
Plano completo da VEJA! Acesso ilimitado aos conteúdos exclusivos em todos formatos: revista impressa, site com notícias 24h e revista digital no app, para celular e tablet.
Colunistas que refletem o jornalismo sério e de qualidade do time VEJA.
Receba semanalmente VEJA impressa mais Acesso imediato às edições digitais no App.
Digital
Plano ilimitado para você que gosta de acompanhar diariamente os conteúdos exclusivos de VEJA no site, com notícias 24h e ter acesso a edição digital no app, para celular e tablet.
Colunistas que refletem o jornalismo sério e de qualidade do time VEJA.
Edições da Veja liberadas no App de maneira imediata.