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O barato do peixe

A sardinha plebeia deixou o nobre salmão para trás

Por Lucilia Diniz Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h24 - Publicado em 5 nov 2021, 06h00

A sardinha e o salmão são, no prato, uma espécie de Davi e Golias. Contra todas as probabilidades, e da mesma maneira que o jovem corajoso derrota o gigante na história bíblica, o peixinho leva a melhor em relação ao peixão. O salmão, que costuma se oferecer em postas atraentes, reúne todas as condições para vencer uma eventual disputa gastronômica e nutricional. A textura macia, a cor rosada e o sabor suave de sua carne inspiraram chefs do mundo todo a preparar receitas que entraram para o repertório de clássicos da cozinha. Já a modesta sardinha, em geral vendida enlatada, não frequenta os cardápios dos melhores restaurantes e seria uma improvável pièce de résistance num jantar para convidados especiais.

E, no entanto, o nobre das águas gélidas está sendo desbancado pelo mais plebeu dos espécimes que habitam os oceanos. A virada do jogo tem a ver com a poluição ambiental. O salmão, até pelo porte, é um peixe que, além de algas, se alimenta de outros peixes. Já a sardinha, que caberia na palma da mão, não tem tamanho para comer de tudo — é totalmente vegana. Num mundo ideal, o tamanho e a dieta dos peixes não seriam um problema. Mas, num mundo como o nosso, em que os oceanos se transformaram em depósitos do lixo produzido pelo homem, esses são aspectos que não podem mais ser ignorados. Nada seletivo com a comida, o salmão acaba ingerindo mercúrio. Não é o único a apresentar preocupantes níveis do metal tóxico em seu organismo. O atum e o bacalhau lhe fazem companhia, e o peixe-espada chegou a ter até sua comercialização proibida nos Estados Unidos. A sardinha, por sua vez, se mantém mais saudável pela alimentação mais rigorosa e limitada.

“É preciso desmistificar a ideia de que o alimento mais saudável é sempre o mais caro”

Não é de hoje, no entanto, que, mesmo sem espaço na alta gastronomia, o peixinho prateado faz algum sucesso. É uma iguaria típica portuguesa. Em Lisboa, por exemplo, o mês de junho é dedicado à sardinha, em homenagem ao santo padroeiro da cidade, Santo Antônio, que, segundo a tradição católica, pregava aos peixes. O bairro de Alfama, onde tudo acontece, fica tomado pelo aroma da sardinha assada em barracas espalhadas pelas ruas. É uma festa democrática, com portugueses e turistas consumindo sardinha no pão por pouco mais de 1 euro. Sim, além de nutritiva e gostosa, a sardinha é relativamente barata. Por aqui, dependendo do tipo, o preço é equivalente a um quinto do custo do salmão — uma comparação para prestar atenção em tempo de inflação em alta. Mas o valor que mais importa é o nutricional, não o comercial, ou a sardinha não estaria em alta, como se tem notícia, na preferência de milionários na costa do Mediterrâneo.

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Aliás, é preciso desmistificar a ideia de que o alimento mais saudável é sempre o mais caro. Preço salgado e qualidade nutricional não andam necessariamente lado a lado. Alguns itens pouco prestigiados estão justamente entre os mais nutritivos. É o caso do amendoim, que, sendo o primo pobre das “nuts”, é o mais rico em proteínas. Outro exemplo é o ovo, já que a clara tem proteína com poucas calorias.

Considere, portanto, se não é hora de puxar a sardinha para a sua brasa.

Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2021, edição nº 2763

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