A cada janeiro, os olhos do mundo se voltam para o vilarejo suíço de Davos, onde se reúnem nomes de peso no Fórum Econômico Mundial. A crise climática, assunto tão duro, ocupou lugar relevante nos painéis. Um deles, em especial, falava sobre suas implicações para a saúde e para a alimentação. Ninguém bem informado poderia minimizar os efeitos do aquecimento global nesses campos. Mas, para minha surpresa, foi justamente nesse painel que pude perceber o “copo meio cheio”. O que me fez pensar que um novo olhar sempre é possível.
A cada ano, falamos em quantas frações de grau a temperatura do planeta subiu. Se em termos acadêmicos faz sentido se pautar pela escala Celsius, para muitos leigos a informação de 1 grau ou 2 acima da média soa como a oportunidade de curtir mais dias ensolarados de praia. Acho oportuno que o termômetro não seja mais o único instrumento para fazer soar o alerta. Que tal então se passarmos a falar mais de vidas afetadas, como propôs um dos participantes da mesa?
Todos nós somos afetados pelo aquecimento global, não só quem tem a casa atingida por um evento climático extremo. A insegurança alimentar é uma realidade, e mesmo os que não sofrem com ela sentem seu impacto no carrinho do supermercado. Nos países mediterrâneos, a seca atinge as oliveiras. Em consequência, no mundo todo os preços do azeite dispararam, já que uma única província na Espanha, Jaén, em Andaluzia, é responsável por 20% da produção mundial. Deste lado do oceano, um produto fundamental para nós enfrenta problema semelhante: o café. Pouca chuva e temperaturas extremas pressionam as lavouras e os preços.
“Há um caminho sendo traçado, porque sem dinheiro nenhuma inovação ganha escala”
Se azeite e café parecem secundários, pense no arroz. Soube em Davos que o grão, principal fonte alimentar para metade da população global, exige muita água para seu cultivo tradicional, alagado, ainda o mais comum entre os grandes produtores asiáticos. O método é eficaz porque “afoga” as ervas daninhas. Só que a decomposição delas libera uma enorme quantidade de metano, o que torna essa importante cultura uma das maiores emissoras desse gás na atmosfera.
Mas, na mesma sala onde ouvi esses problemas, fui lembrada de como o engenho humano é capaz de correr em socorro da saúde global. Cruzamentos buscam criar espécies mais resistentes, o que está acontecendo com o café. Quanto ao arroz, novas tecnologias prometem utilizar 40% menos água em seu cultivo, resultando em 90% menos emissões de metano. Velhas técnicas também são recuperadas — o cultivo de azeitona na agricultura de sequeiro depende de menos recursos hídricos (com o bônus de que as oliveiras são ótimas para sequestrar CO2). Essas ideias vêm não só das gigantescas empresas agropecuárias representadas em Davos, mas também de outras como a nossa Embrapa.
Sem dinheiro, porém, nenhuma inovação ganha escala. De novo, senti que há um caminho sendo traçado quanto a isso. Na Suíça, muito se falou da necessidade de investir uma extraordinária quantidade de capital em medidas científicas mais amplas para a saúde de um mundo em mutação. De repente, em meio à paisagem alpina, me peguei repetindo os versos de Sampa, de Caetano Veloso, o hino informal da minha cidade, que nos lembra de que a força da grana que destrói coisas belas é a mesma que as ergue.
Publicado em VEJA de 2 de fevereiro de 2024, edição nº 2878