O Carnaval do Rio de Janeiro é muito mais do que um espetáculo grandioso; é uma experiência que expressa e concentra a energia única da cultura brasileira. Assistir aos desfiles das escolas no Sambódromo, como fiz neste ano mais uma vez, é testemunhar, em cada passo na avenida, um tributo à identidade e à criatividade do povo.
Enquanto o mundo observa pela televisão, estar presente na Passarela do Samba é sentir a verdadeira essência do evento. O coração bate no ritmo da bateria, e a sensação de ser um em meio a muitos é inigualável. Cada verso cantado ecoa a força da comunidade, que se une para construir um sonho ao vivo.
Já desfrutei desse privilégio como espectadora, sambando no chão, e até como destaque no alto de um carro alegórico. Tendo vivido essa experiência de todos os pontos de vista, posso dizer: no primeiro passo dado no concreto da avenida, cada um que está ali com sua escola já se sente campeão.
Carnaval é paixão. Ouvi outro dia a uma entrevista de Thiago Monteiro, diretor de Carnaval da Grande Rio, agremiação pela qual tenho especial carinho. Ele contava que, desde sua primeira vez na Sapucaí, aos cinco anos, se apaixonou pelo que viu. Enquanto seus amigos brincavam na rua, em casa ele assistia fitas de vídeo de Carnavais passados e organizava desfiles com bonecos. Sempre quis ser, desde pequeno, a pessoa que cuida da estratégia. E estratégia nem sempre significa buscar ser perfeito, mas ressaltar o que se tem de melhor.
Neste ano, pude ver isso de perto na apresentação das escolas , diante do uso extraordinário da iluminação cênica da passarela a serviço do samba. Eles sabem literalmente, jogar luz no que tinha de mais belo — como, aliás, precisamos fazer tantas vezes na vida. Não à toa, largou como forte concorrente ao título.
“O legado de um Carnaval é, mais que tudo, a memória coletiva que ele cria”
Em cada desfile, vemos não apenas o espetáculo final, mas também o resultado de um trabalho árduo realizado ao longo do ano. Escultores, costureiras, músicos, passistas: cada membro da comunidade contribui com seu talento e dedicação. É uma celebração da união, e nela todos são campeões, independentemente do veredicto dos jurados, determinado tantas vezes por meros décimos de pontos.
Quando uma escola vence, toda a comunidade por trás dela é a premiada. Existe em cada bordado, em cada pluma e paetê, uma história que se conta, que se projeta para fora do dia a dia dessas pessoas. E, o que talvez seja mais impressionante, tudo pensado e orquestrado para durar apenas aquele momento efêmero.
Mas o título não é só de quem pensou o desfile; aliás, nem só de quem desfilou, e sim de todos os que soltaram a voz e injetaram ânimo para quem estava ali, naqueles contados minutos de comunhão. Além dos troféus, o legado de um Carnaval é, mais que tudo, a memória coletiva que ele cria.
Reflito sobre mais um Carnaval que passou e guardo deste um aprendizado. Não bastam somente a paixão, o empenho e a estratégia para nos colocar no alto do pódio. Na avenida ou fora dela, contam também a energia do momento, a adrenalina que move cada passo e a vibração que nos coloca no ritmo certo. É isso o que nos aproxima da perfeição.
Publicado em VEJA de 16 de fevereiro de 2024, edição nº 2880