Patins zunindo no pátio, o corre-corre do esconde-esconde e do pega-pega, a amarelinha e os jogos de queimada. Na praça, as árvores serviam de torres de castelo ou de fortaleza. Sentar e aquietar, só em poucos horários do dia, ou no sábado à tarde, quando a TV oferecia programas infantis. Aliás, mesmo com os filmes da Sessão da Tarde, como o hoje clássico E.T., as crianças iam para lá e para cá pedalando sobre duas rodas. Até os anos 1980, não havia videogames; o celular só seria popular quase duas décadas depois. O leitor pode achar que caí na nostalgia de outros tempos, em que se brincava na rua e a molecada só entrava, suada, depois de muita insistência. Mas, se trago essas lembranças, é para assinalar o efeito que a mudança de hábitos tão corriqueiros teve para crianças e adolescentes.
O dia 3 de junho é consagrado ao combate da obesidade infantil. Não à toa, o assunto ganhou data no calendário mundial das políticas de saúde pública. Em todo o mundo há hoje preocupação com o ganho de peso acima de parâmetros saudáveis. Uma criança obesa tem grandes chances de se tornar um adulto obeso, com todos os riscos associados a esse quadro — que vão além das consequências individuais, por si só graves, com impacto econômico. O sobrepeso é multifatorial; sua prevenção e as soluções para ele, também. Brincar na rua, apenas, não resolve nada, mas com certeza trocar essas atividades pelo sofá não ajuda.
“Não é só a vida sedentária que se deve combater. Na outra ponta está o desequilíbrio nutricional”
Devo confessar que minha história não serve de modelo neste caso. Meus pais não eram muito afeitos a deixar as filhas livres, leves e soltas fora de casa. Tinham medo de que nos perdêssemos ou de que o “homem do saco” nos levasse. Nem aprendemos a andar de bicicleta, e talvez por isso, penso agora, tenhamos acumulado uns quilos a mais. Hoje, esse medo que meus pais já tinham prevalece. Para muitos, a rua não é lugar seguro. Já os filhos, com outras distrações tecnológicas no conforto do lar, também não veem mais o apelo que as vielas tinham. Assim, mesmo se os pais têm consciência da importância da atividade física para as crianças, ela acaba se tornando mais uma obrigação nas agendas carregadas dos pequenos, pouco priorizada. Por outro lado, toda oportunidade é boa e pode ser incorporada como um momento prazeroso em família. Vale um passeio no parque, um jogo de bola ao ar livre, ou até brincar de procurar um extraterrestre no quintal…
Mas não é só a vida sedentária que se deve combater. Na outra ponta está o desequilíbrio nutricional. A alimentação natural e caseira vem perdendo espaço para industrializados, massas e guloseimas açucaradas, seja por dificuldade de acesso a produtos frescos, seja por falta de tempo ou de dinheiro. O paladar, como se sabe, se molda cedo, então aqui também o momento de reunião à mesa é a chance de criar bons hábitos. O quadro é complexo, mas não é imutável. Um esforço conjunto, que envolva governo e sociedade civil, pode reverter a tendência de crescimento do sobrepeso infantil. A boa notícia é que o Brasil é considerado, no ranking do Atlas Mundial de Obesidade, um país com preparo acima da média para lidar com a questão. Temos grandes chances de dar exemplo ao mundo.
Publicado em VEJA de 7 de junho de 2023, edição nº 2844