Alguns povoados ao redor do planeta são conhecidos pela boa saúde e longevidade de seus habitantes. Penso em lugares como Okinawa, um arquipélago no sul do Japão, ou certas ilhas aprazíveis ao longo do Mar Mediterrâneo, como Sardenha e Sicília, na Itália, ou Icária, na Grécia. Se há algo em comum entre os centenários cidadãos que vivem tão distantes entre si é o fato de que costumam comer muito bem. Na província oriental, por exemplo, a batata roxa local, base de vários pratos, é rica em antioxidantes, que favorecem o sistema imunológico. Na Europa ensolarada, fazem sucesso vegetais, peixes, azeite e sementes oleaginosas, como castanhas e nozes, cujo perfil lipídico, alega-se, proporciona proteção cardiovascular. O que não significa que o homem sedentário e muito acima do peso, dessas regiões ou de outras partes do mundo, possa consumir batata roxa, nozes, azeite e peixes gordurosos à vontade, garantindo assim uma vida longa e de qualidade!
“A gastronomia é importante, claro, mas não se trata do único fator determinante da vida saudável”
A gastronomia é importante, claro, mas não se trata do único fator determinante da vida saudável. Sozinha, a boa mesa não faz milagre. Parafraseando o filósofo espanhol Ortega y Gasset, que afirmou que “o homem é o homem e sua circunstância”, digo que a dieta é a dieta e sua circunstância. Ou seja, para que seus efeitos sejam devidamente avaliados, é preciso que se leve em conta também outros aspectos que influenciam a vida das pessoas acostumadas a determinado tipo de alimentação. A pimenta (que é termogênica) ilustra bem o meu argumento. A picância não é uma qualidade vista como intrinsecamente positiva por todos os povos. Ela pode gerar bem-estar, ou não, dependendo das condições ambientais. Nos lugares quentes, como México, Índia, Tailândia e Malásia (sem esquecer da nossa Bahia), o consumo de pimenta dá uma sensação de refrescância, pois suas propriedades termogênicas superaquecem o corpo, acionando mecanismos naturais de resfriamento. Essa é, por assim dizer, a circunstância da pimenta.
E qual seria a circunstância da dieta mediterrânea? Simples, é o estilo de vida saudável de pessoas que vivem, sem tanto estresse, caminhando pelas calmas e montanhosas vilas de onde se descortina o mar, que, ao longo de milênios, sem pressa, viu florescer a civilização. Ninguém precisa passar as tardes jogando dominó com seus amigos de longa data em praças pacatas, mas é importante tentar desacelerar o ritmo de vez em quando e dar mais tempo às relações familiares e de amizade. A correria frenética, o estresse, a atenção permanente ao tique-taque do relógio, o acúmulo de compromissos profissionais, tudo isso que descreve o cotidiano numa grande cidade é estranho aos habitantes das vilazinhas mediterrâneas. Lá eles vivem como os personagens locais da excelente segunda temporada de The White Lotus, ambientada na cidade de Taormina, encravada numa colina da Sicília, com ruas estreitas demais para a passagem de automóveis. As muitas calorias da dieta local são queimadas no constante sobe e desce das ladeiras da íngreme encosta, em percursos feitos a pé ou de bicicleta. Para quem tem essa topografia à disposição, academia para quê?
A dieta mediterrânea é muito boa, sim, mas não faz mágica. Quem almeja a longevidade e a vida saudável precisa também suar a camisa — literalmente.
Publicado em VEJA de 18 de janeiro de 2023, edição nº 2824