O volume de conhecimento adquirido sobre a Covid-19 já é traduzido em milhares de artigos científicos, publicados ou preprints (ainda não revisados por pares), desde que o vírus SARS-CoV-2 surgiu. Não por acaso, as vacinas contra a doença foram desenvolvidas em menos tempo do que normalmente levariam – tamanha foi a situação de urgência global instaurada pela doença. Segundo levantamento da Universidade de Manchester, no Reino Unido, com base na Dimensions – uma plataforma internacional de dados –, são mais de 500 mil estudos entre o fim de 2019 e o início deste ano. Já se tem, portanto, um corpo bibliográfico robusto sobre a doença.
Mesmo assim, há muito que se aprender sobre a Covid-19, nem que seja porque a doença ainda é nova e seus efeitos de longo prazo precisam ser mais estudados. Uma nova pesquisa, no entanto, mostra que as infecções causadas pelo novo coronavírus desencadeiam uma resposta imune do organismo que danifica vasos sanguíneos do cérebro e que pode ser responsável por sintomas neurológicos de longo prazo. A pesquisa foi realizada pelos NIH (Institutos Nacionais de Saúde, na sigla em inglês), dos EUA, e publicado recentemente na revista especializada Brain.
A pesquisa revela, diz a publicação, que os anticorpos (as proteínas que o corpo produz para ajudar o sistema imunológico a combater vírus e bactérias) produzidos em resposta ao ataque do SARS-CoV-2 levam a inflamações e danos. Essa informação é importante para que se possa pensar na forma de lidar com pacientes que tenham desenvolvido sintomas neurológicos persistentes.
Queixas comumente ouvidas de pessoas que contraíram Covid-19 são dores de cabeça, fadiga, perda de paladar e olfato, problemas de sono, cansaço mental, dificuldades de concentração e de articulação da fala. São componentes da chamada “névoa cerebral”, que não é um fenômeno exclusivamente causado pela Covid-19: outras doenças, como o herpes, por exemplo, podem levar a ela. O estudo publicado na Brain foi realizado em nove indivíduos (entre 24 e 73 anos ) que tiveram morte súbita após contrair o novo coronavírus.
Os resultados dos estudos levarão a melhorias terapêuticas para lidar com pacientes que exibam esses sinais da Covid longa.
Ainda não há fim em vista para a pandemia de Covid-19, decretada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) em 11 de março de 2020. Ao longo desses mais de dois anos, a doença avançou ferozmente pelo mundo todo e, até o momento, já provocou 6,34 milhões de óbitos, com mais de 550 milhões de casos confirmados. No Brasil, também segundo a OMS, já passa de 672 mil o número de óbitos. O número de contágios e mortes continua a oscilar a cada semana, com avanços ora modestos, ora mais significativos — em escalas muito inferiores ao que se viu no período anterior à vacinação.
A imunização da população surtiu efeito: a mortalidade teve uma grande redução. O que torna ainda mais doloroso saber, por exemplo, que cerca de 1,1 bilhão de doses de imunizantes foram perdidos devido a fatores de ordem burocrática – como atrasos na entrega de doses sobressalentes a países pobres e armazenamento inadequado. E a existência de variantes é sinal de que não estaremos livres da Covid-19 de uma vez por todas. Vacinar-se contra ela anualmente deverá se tornar um compromisso a fixarmos na agenda.
Por isso, as pesquisas sobre a doença deverão prosseguir. Vacinas ainda mais eficientes e medicamentos antivirais deverão ser criados. Avanços terapêuticos que venham a ser desenvolvidos a partir da pesquisa publicada na Brain serão um alívio para esses sintomas da chamada Covid longa. E mostram também que a ciência é e continuará a ser o caminho e o instrumento para combater crises sanitárias.