As empresas interessadas em explorar o mercado da cannabis medicinal no Brasil estão contando os dias para conhecer a nova regulamentação do setor, a ser divulgada pela Anvisa nas próximas semanas. Com base em conversas que tive nos últimos dias, as expectativas (e os desejos) variam muito entre as empresas e profissionais da área. Ainda há muitas dúvidas a respeito da extensão das regras que serão publicadas, mas em um ponto todos concordam: será apenas o começo.
O movimento da Anvisa é acompanhado com interesse não apenas por investidores e empresários. A turma do ativismo canábico, que luta pela legalização da erva, também está pronta para reagir, qualquer que seja a decisão das autoridades. Isso porque há uma desconfiança – fomentada por declarações de servidores e dirigentes da agência reguladora – de que a regulamentação vá favorecer desproporcionalmente as pessoas jurídicas em detrimento de pacientes e familiares. “Caso isso aconteça, nós estamos preparados para defender os direitos dos cidadãos”, diz Emílio Figueiredo, advogado e membro do coletivo Reforma (Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas), que presta assessoria legal para interessados em cultivar cannabis para fins terapêuticos.
Fundado em 2016, o grupo reúne profissionais que já atuavam na defesa de cultivadores e usuários e, desde sua criação, já obteve na Justiça 23 habeas corpus que protegem da prisão os responsáveis pelos cultivos caseiros usados na produção de medicamentos. Figueiredo defende que as empresas, e os indivíduos, claro, tenham o direito de plantar a erva no Brasil. “O Estado deve ampliar o acesso à medicina canabinoide e não pode privilegiar apenas empresas em sua regulamentação. O que é permitido para pessoas jurídicas, é permitido para pessoas físicas”, explica. Caso as novas regras tragam orientação excessivamente voltada para as corporações, a Reforma promete atuar para estender o direito a todos os que necessitam da terapia com derivados da cannabis. As perspectivas para a aprovação do cultivo, no entanto, são reduzidas, dada a pressão de ministérios, como o da Saúde e o da Cidadania, além da própria Presidência da República.
Enquanto as companhias, brasileiras e estrangeiras, trabalham no lobby para influenciar o poder público, a Reforma coleciona argumentos e teses e se apoia na jurisprudência para tornar o ambiente mais liberal e menos hostil para os cultivadores. Para ampliar o alcance da mensagem e o conhecimento sobre o assunto, o coletivo realiza nos próximos dias 9, 10 e 11 de outubro o III Seminário de Pesquisa sobre os Usos Terapêuticos da Maconha, no campus Gragoatá da Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói-RJ. O evento vai reunir juristas, pacientes, médicos, pesquisadores e representantes da sociedade civil para discutir os impactos sanitários, econômicos e sociais da proibição e os caminhos para uma abordagem mais racional à questão das drogas.
Assim como aconteceu em outras partes do mundo, a aceitação e a regulamentação da cannabis medicinal precedeu a legalização do uso adulto da planta. Figueiredo não esconde que esse é o objetivo final da Reforma, que condena a guerra às drogas e seus efeitos nocivos para a sociedade. Diante das evidências científicas e das oportunidades econômicas, pouca gente aposta que a cannabis continuará proibida por muito tempo. Os entusiastas costumam repetir que não se trata mais de uma questão de “se” a erva será liberada, mas de “quando” isso vai acontecer. Para o advogado e seus companheiros de ativismo, a questão principal é “como” se dará o processo e quem serão os beneficiados (e os prejudicados). “Os argumentos jurídicos estão ao nosso lado e nós vamos usá-los sempre que for necessário”, conclui.
Como escrevi acima, a decisão da Anvisa em 2019 será apenas o começo de uma longa jornada, que promete embates acalorados nos tribunais e exigirá maturidade dos agentes públicos e da própria sociedade em prol do bem comum.
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