Em 28 de fevereiro de 1986, quando o presidente José Sarney anunciou o corte de três zeros do Cruzeiro, a criação do Cruzado e o congelamento de todos os preços de produtos e serviços, muita gente considerou o pacote um ato justo para acabar com a desordem da economia e a festa dos especuladores. Predominava na época a ideia de que a inflação é fruto da ganância dos comerciantes e especuladores, e não do excesso de dinheiro que o governo imprime para cobrir o rombo de suas despesas.
O apoio mais enfático veio da economista Maria da Conceição Tavares. Num programa da Globo sobre as medidas de Sarney, ela não conseguiu segurar a emoção. “Raras vezes na minha vida profissional tive orgulho da minha profissão”, disse entre lágrimas. “Eu estou muito contente com uma equipe econômica que redime politicamente o país. Eu acho esse programa um programa sério.” A economista do PT aproveitou para convocar o povo e a imprensa a denunciar empresários que reajustassem os preços.
Aloizio Mercadante, então economista da CUT, gravou um vídeo num supermercado mostrando que o tabelamento estava funcionando. “Nós estamos vivendo o Brasil do Cruzado. O Brasil em que a dona de casa, na maioria das vezes, vai fazer a compra com uma lista da Sunab, uma lista do governo, que fixou os preços.”
“Aparentemente, no Brasil do Cruzado, o problema da inflação acabou”, disse Mercadante em 1986. Daquele ano até 1994, a inflação foi de 322.829.174.615%.
Não foram só sindicalistas ou economistas alucinados que apoiaram o Plano Cruzado. Como os preços estavam sem controle e todo mundo reajustava porque os outros reajustavam, parecia fazer sentido impor um congelamento para acabar com a inércia da inflação. “Era isso mesmo que tinha de ser feito”, disse a VEJA Amador Aguiar, então o maior acionista do Bradesco.
“Sob todos os aspectos, olhando-se o problema de uma maneira geral, a reforma econômica de Sarney representa uma audaciosa e competente tentativa de saneamento de uma desordem já velha de quase dez anos”, diz o editorial de VEJA de 5 de março de 1985. “Tecnicamente, parece claro que a reforma está concebida de tal forma que pode dar certo.”
VEJA participou do coro que culpava a ganância dos comerciantes pela inflação. A primeira reportagem da revista sobre o Cruzado fala do quebra-quebra contra lojas que “remarcavam seus preços covardemente”, “ludibriando seus fregueses e o anseio da sociedade por uma economia estável”.
Era muito difícil, nos primeiros meses de 1986, achar alguém que o criticasse o Plano Cruzado. FHC, então líder da ala à esquerda do PMDB (o PSDB seria criado dois anos depois), fez uma pausa nas críticas ao governo Sarney para elogiar as novas medidas. “O pacote é bom e deve ser defendido.”
“O país tem que enfrentar de uma vez por todas o problema da inflação. É a hora da verdade. Não há motivo algum para pânico. São medidas corajosas e pelo que sei economicamente coerentes”, disse José Serra para a Folha de S. Paulo.
Diante de tanto entusiasmo, quem se opôs ao Plano Cruzado ganhou fama de estraga-prazeres. Ninguém deu ouvidos a Roberto Campos e aos poucos liberais brasileiros para quem o excesso de oferta monetária era a real causa da inflação. Eugênio Gudin, economista que passou algumas décadas batendo nessa tecla, estava com 99 anos em 1986 – morreria em outubro daquele ano.
Muitos erraram ao apoiar o Plano Cruzado – a diferença foi o tempo que cada um demorou para perceber o erro. Como sempre acontece desde a Roma Antiga, o congelamento de preços tirou o incentivo à produção e provocou uma crise de desabastecimento. Um mês depois do anúncio de Sarney, VEJA passou a enxergar o Plano Cruzado com ceticismo. “O fato é que o congelamento de preços em lugar nenhum do mundo significou, algum dia, uma panaceia contra o problema da inflação”, diz a edição de 3 de abril.
Já Mercadante continuou defendendo o controle de preços muitos anos depois do fiasco do Plano Cruzado. Em 1996, ele disse à Folha de S.Paulo que o Plano Real daria em água – e que a solução era “o controle de preços dos produtos da cesta básica”.
Maria da Conceição Tavares manteve o apoio ao Plano Cruzado por um tempinho mais. Em 2015, numa entrevista para O Globo, ela ainda misturava moralismo à economia e culpava inimigos imaginários pelo fracasso do Plano Cruzado. “As grandes empresas comerciais não cumpriram o plano”, disse.