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Por Andréia Peres
Um olhar diferente para as desigualdades do Brasil
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Gravidez na adolescência diminui, mas cenário ainda preocupa

Em 2022, mais de 300 mil bebês nasceram de mães entre 15 e 19 anos no país

Por Andréia Peres 16 abr 2024, 09h04

Recentemente, vi no cinema o filme brasileiro Levante que me tocou não apenas pela atuação de atrizes como Grace Passô e Ayomi Domenica, filha do rapper Mano Brown, mas por trazer à tona a questão da gravidez na adolescência, um tema que precisa voltar à discussão com urgência.

Não vou dar spoiler. Vale a pena assistir ao filme, que ainda está em cartaz, principalmente pelas discussões que ele traz a partir da descoberta da gravidez não planejada de Sofia (Ayomi Domenica), uma jovem atleta de 17 anos.

Fora da ficção, a gravidez na adolescência continua sendo um problema e tanto no Brasil, especialmente nos estados do Norte e do Nordeste. Apesar de os números absolutos estarem caindo desde 2015, o cenário ainda preocupa. Em 2022, 301.313 bebês nasceram de mães entre 15 e 19 anos de idade no país (em 2015, eram 520.864). Mais da metade deles (153.547) são do Norte e do Nordeste. Um reflexo das desigualdades, que também pode ser visto pela raça/etnia dessas meninas. “A maior parte delas é negra”, aponta Cynthia Betti, diretora executiva da Plan International Brasil.

DIREITOS NEGADOS

“A gravidez não planejada na adolescência é uma violência. Seja porque a adolescente foi abusada, seja porque ela não teve acesso à informação”, diz a especialista, em entrevista a esta coluna. São milhares de meninas que engravidam todos os anos e deveriam ter tido acesso ao que está previsto em lei, como métodos anticoncepcionais e interrupção da gravidez, no caso de estupro.

De acordo com a lei, adolescentes com menos de 14 anos são considerados incapazes de consentir, o que torna qualquer ato sexual em que estejam envolvidos “estupro de vulnerável”, caso em que o aborto é permitido.

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Os adolescentes também podem – e devem – ter acesso a oito métodos contraceptivos gratuitamente pelo SUS (Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996 e Plano Nacional de Planejamento Familiar, de 2007). Um direito que, muitas vezes, é violado. “Ao pedir o método anticoncepcional muitos deles ouvem que precisam ir com a mãe ao serviço de saúde e não voltam mais”, diz a diretora executiva da Plan, ressaltando que isso não é necessário.

Para Cynthia, a postura desses profissionais é um reflexo de um conservadorismo crescente no país. “É fruto de uma crença de que se negar a oferta o adolescente não vai praticar sexo”, diz ela. Uma postura que, na realidade, vai contra as pesquisas na área. “Os estudos dizem justamente o contrário. Quanto mais educação sexual, mais tarde o jovem começa a vida sexual. Não se trata apenas de prevenção à gravidez, mas também a infecções sexualmente transmissíveis, entre outras coisas”, afirma.

MENOS DA METADE DAS MENINAS PASSA POR CONSULTA GINECOLÓGICA

Segundo a pesquisa Por Ser Menina, realizada, em 2021, pela Plan International com 2.589 participantes de 14 a 19 anos de dez cidades em todas as regiões brasileiras, embora a imensa maioria (92,4%) das adolescentes entrevistadas afirmem ter conhecimento sobre métodos contraceptivos, apenas 44,1% passaram por uma consulta ginecológica.

O estudo revela ainda que a renda familiar influencia diretamente no acesso à consulta. Meninas com renda familiar acima de 6 salários mínimos são as que mais responderam positivamente sobre o tema (67,8%). Já entre as que estão em famílias com renda familiar de até 1 salário mínimo a taxa de consultas cai para menos da metade (31,6%).

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“Essas meninas acessam menos ginecologista, posto de saúde. Elas dizem que aprenderam a se prevenir, mas onde elas aprenderam? No Google? Na internet? Onde elas estão tendo essa informação?”, questiona Cynthia. Para ela, ainda falta informação qualificada sobre os métodos contraceptivos.

“O que a gente faz muito nos nossos projetos é dizer para a jovem e o jovem que eles têm direitos, para que possam chegar no posto de saúde e contestar o profissional que diz que precisam levar a mãe para ter acesso ao contraceptivo. Também falamos muito com os meninos porque não são só as meninas que têm que se proteger”, diz a especialista.

Os prejuízos da gravidez na adolescência vão de danos para o corpo da menina, que muitas vezes não está preparado para a gestação, e evasão escolar até impactos econômicos, no futuro. Estudo realizado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, publicado em abril de 2020, observou uma queda de 1,3 ano na escolaridade de mulheres que tiveram filhos com menos de 20 anos e uma redução de cerca de 30% no salário de mulheres que ficaram grávidas durante a adolescência.

Além disso, uma em cada cinco jovens que teve filho na adolescência volta a engravidar e um quarto delas é abandonada pelo pai da criança, segundo a diretora executiva da Plan International Brasil. “Ela vai ser uma mãe solo que, muitas vezes, não tem condições de terminar os estudos e de se inserir adequadamente no sistema de produção, reproduzindo o ciclo da pobreza”, diz Cynthia, com base nas pesquisas. “De novo, as mais impactadas são as pessoas negras, do Nordeste e do Norte, com menos renda”, completa.

Segundo o estudo da Plan, os sonhos das meninas entrevistadas incluem o sucesso profissional e a independência financeira. Sonhos que, para as adolescentes grávidas, segundo as estatísticas, parecem distantes tanto na ficção quanto na realidade.

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* Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

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