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Educação infantil avança, mas ainda não alcança as crianças mais pobres

Cerca de 60% das crianças na primeira infância no Cadastro Único nunca frequentaram creche ou pré-escola, diz estudo

Por Andréia Peres 4 jun 2024, 09h10
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  • Enormes filas de pais aguardando dias seguidos, no sol e na chuva, sua vez de matricular os filhos pequenos numa creche pública ainda são uma triste realidade no Brasil. Felizmente, essas cenas que historicamente nos assombram podem estar com os dias contados.

    No início de maio deste ano, o presidente Luís Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 14.851, que obriga a criação de mecanismos de levantamento e de divulgação da demanda por vagas em creche. A nova lei é considerada por especialistas um avanço importante rumo à democratização ao acesso às creches no país.

    “A obrigação da criação de estratégias e de levantamento e divulgação da demanda por vagas abrem espaço para que se conheça a demanda real por creche e não somente a das famílias que procuraram por ela”, diz Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em entrevista à coluna. “A partir dessa identificação, será possível, por exemplo, construir uma nova creche num bairro que tenha demanda e onde há maior incidência de famílias com crianças na primeira infância fora da creche”, explica a especialista.

    Apurada a demanda não atendida por vagas em creche, cada município realizará o planejamento da expansão da oferta de vagas para a educação infantil pública, que poderá, finalmente, zerar essas filas que há muito tempo parecem não ter fim. Também deverá estabelecer diretrizes para as ações intersetoriais de acompanhamento e monitoramento do acesso e da permanência das crianças na educação infantil, em especial das beneficiárias de programas de transferência de renda.

    A educação infantil é a primeira etapa da educação básica e está dividida em creche, para crianças de até 3 anos, e pré-escola, destinada às crianças de 4 e 5 anos. A pré-escola é obrigatória, mas a creche, não. Trata-se de um direito previsto pela Constituição Federal e cabe às famílias decidirem pela matrícula. O Estado deve, no entanto, garantir que haja vagas para todos aqueles que desejarem.

     FALTA CRECHE PARA QUEM MAIS PRECISA

    Além de influenciar negativamente a dinâmica da mulher no mercado de trabalho, pois ainda hoje são as mulheres que majoritariamente assumem esses cuidados, a falta de vaga em creches de boa qualidade, especialmente para as crianças mais vulneráveis, gera um impacto enorme no desenvolvimento integral da criança.

    Inúmeros estudos realizados em todo o mundo apontam a importância de investir na primeira infância, período que vai de 0 aos 6 anos de idade. Entre os principais motivos que justificam a recomendação está o grande desenvolvimento cerebral que ocorre nessa faixa etária, estabelecendo as bases para os processos cognitivos.

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    Há evidências científicas de que a melhoria da educação é um dos fatores que mais influencia o bem-estar social da população. Ao ampliar a capacidade de aprendizado das crianças, as políticas de intervenção na primeira infância contribuem para o crescimento econômico e para a prevenção da violência, gerando impactos positivos na saúde pública, na redução das taxas de abandono escolar e no combate à pobreza e à criminalidade.

    Segundo o Censo Escolar 2023, a educação infantil foi o ciclo que mais recebeu matrículas. Em 2021, o número de crianças matriculadas em creche era de 3,4 milhões. Número que saltou para 4,1 milhões, em 2023, superior ao patamar pré-Covid, de 3,8 milhões, em 2019.

    A notícia é boa, mas o crescimento ainda assim é insuficiente. Continuamos longe da meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de 50% da população de 0 a 3 anos em creches, em 2024. “Sabemos que não vamos atingir essa meta – ou toda essa meta – dado que temos avançado, mas estamos em 38%”, diz Mariana Luz. Para alcançá-la, seria preciso ampliar as matrículas para em torno de 5 milhões, levando em conta a população apurada pelo último Censo do IBGE.

    Mariana defende, no entanto, que a meta seja revista no próximo PNE. De acordo com a especialista, é importante que ela esteja atrelada ao atendimento da demanda local para que se possa beneficiar quem mais precisa.

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    É que, dada a diversidade de cada município e as dimensões do Brasil, a meta atual pode, segundo ela, não traduzir as reais necessidades de cada lugar. “A cidade de São Paulo, por exemplo, já tem mais de 65% da população de até 3 anos atendida, mas a demanda é maior e pode ser maior”, exemplifica, ressaltando que a nova lei já traz essa obrigatoriedade de identificação da demanda.

    Segundo o Índice de Necessidade de Creche (INC), metodologia desenvolvida pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal para estimar a demanda por vagas em creche dos grupos que mais precisam de atendimento (famílias pobres, monoparentais ou com mães/cuidadores principais economicamente ativos ou que assim o seriam se houvesse creche), 42,4% das crianças de grupos prioritários precisavam de vaga em creche, em 2019 (o dado mais recente disponível, publicado em 2022).

    “No Brasil, a pobreza tem cor e endereço”, diz Mariana Luz. Os dados dão razão a ela. No total, apenas uma em cada quatro crianças das famílias mais pobres (24,4%) frequentava creche no país, de acordo com o INC. As crianças que estão fora da educação infantil são, em sua maioria, pretas, pardas e pobres.

    Outra pesquisa, também realizada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, publicada em abril deste ano, reforça esse dado. Segundo o estudo Perfil Síntese da Primeira Infância e Famílias no Cadastro Único, 59,8% das crianças na primeira infância no Cadastro Único nunca frequentaram creche ou pré-escola.

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    Para a CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, é urgente a implementação de políticas públicas focadas nessas famílias e a nova lei pode ter um papel importante nesse sentido.

    Mariana Luz defende a utilização de mecanismos de busca ativa que já existem e a conexão entre programas sociais que atendam famílias em situação de vulnerabilidade para que de fato às crianças que mais precisam possam ter garantido seu acesso à creche.

    Além do acesso, também é fundamental assegurar a qualidade da educação infantil. Segundo o Censo Escolar 2023, ainda é preciso avançar muito nesse sentido. Apenas 31,9% das creches e pré-escolas municipais possuem materiais para atividades culturais e artísticas, menos da metade (46,6%) tem banheiros adequados e pouco mais de um terço (38,5%) conta com parque infantil.

    “Se você tem má qualidade nessa etapa, perde a oportunidade de desenvolver toda essa potência de aprendizagem num país em que há tanto analfabeto funcional e que a alfabetização na idade certa é uma prioridade”, lembra a especialista.

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    Segundo ela, educação infantil de qualidade é uma das principais reivindicações da fundação para os candidatos e candidatas ao executivo municipal nas eleições deste ano. Sem dúvida, há motivos de sobra para isso.

    * Jornalista e diretora da Cross Content Comunicação. Há mais de três décadas escreve sobre temas como educação, direitos da infância e da adolescência, direitos da mulher e terceiro setor. Com mais de uma dezena de prêmios nacionais e internacionais, já publicou diversos livros sobre educação, trabalho infantil, violência contra a mulher e direitos humanos.

     

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