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“Uma camisa” e outras notas

Uma linda camisa amarela rasgada ensinou a uma garota que a possibilidade de um juiz idiota estragar tudo não torna o futebol menos fascinante

Por Valentina de Botas
Atualizado em 30 jul 2020, 20h25 - Publicado em 20 jun 2018, 15h09
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  • Valentina de Botas

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    Preciso de um pouco de barulho para me concentrar, o silêncio me faz ouvir coisas e me leva para longe do agora. Trabalhando na revisão ou na tradução de um texto, abro a janela para as polifonias do mundo ou ouço música. Também para missões domésticas: lavar a louça, por exemplo, ao som de “Por uma Cabeza” com Gardel; ou cantarolar qualquer coisa da Clara Nunes enquanto cozinho. Senão, perco o foco, solto a âncora, o pensamento voa, a imaginação visita pessoas, passados, futuros e tal. Neste domingo, trabalhava ao computador, assistia ao jogo Brasil x Suíça na TV e acompanhava alguns comentários pelo Twitter. O empate foi ruim e errar passe no meio do campo é coisa com que eu, pessoalmente, não sei lidar; mas terá sido bom se a Seleção se ligar e o Tite der uma daquelas comidas-vocês-sabem-do-que motivacionais.

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    Acho lindo até gol feio, imagine um golaço como o do Philippe Coutinho. Cismo com isso de o jogador de futebol ter nome chique. Nosso futebol foi piorando conforme os nomes ficaram enjoados, não foi? Foi. As conversas no Twitter deixaram o jogo mais interessante e, claro, a atuação do juiz as movimentou. No gol da Suíça, vi mais surpreendente falta de malícia num jogador experiente como o Miranda, mas aquilo no Gabriel Jesus, seu juiz, foi pênalti. Dá para recuperar, é frustrante, mas nada comparável ao erro inesquecível do juiz, como tudo o mais na Copa de 1982, naquela saga dilacerante entre Brasil e Itália: o pênalti não marcado do Gentille no Zico. A primeira Copa que acompanhara foi a de 1978, na Argentina, em que o Brasil se sagrou um desconsolado campeão moral. Eu era bem meninota, desperta para o futebol no ano anterior quando o meu Corinthians grande, sempre altaneiro, foi campeão depois de 23 anos, na noite eterna de 13 de outubro de 1977. O gol da vitória marcado pelo Basílio foi, para mim, o cartão de visita do Sobrenatural de Almeida. Não saberemos nunca da História que não houve, talvez se o juiz tivesse dado o pênalti do Gentille em vez do impedimento inexistente do Zico, a Itália desclassificasse o Brasil do mesmo modo. O que sei é que, naquela tarde no Sarriá, a linda camisa amarela rasgada ensinava a uma garota que a possibilidade de um juiz idiota estragar tudo não torna o futebol menos fascinante.

     

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    Boulos para intelectuais

    “O uso do vídeo na arbitragem da Copa mostra que juiz de futebol não é Deus e pode falhar. O Judiciário brasileiro deveria aprender com isso, ainda mais com tantos juízes que tem time político escancarado. Pode isso, Arnaldo?”

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    Esse é o tuíte que Guilherme Boulos postou neste domingo, depois do jogo Brasil x Suíça. Com base nele, responda se puder:

    1) Pensemos na metáfora de Karl Marx ─ aquela grande besta quadrada, segundo o mestre Nelson Rodrigues ─, “tudo o que é sólido se desmancha no ar”, registrada no Manifesto Comunista, publicado em 1848, sobre os acontecimentos que abalavam as certezas daquele conturbado século. Segundo Boulos ─ a quem a definição rodriguiana para Marx estaria bem aplicada ─, subjacente à metáfora marxista, o uso do vídeo na arbitragem da Copa:

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    2) Marx, Nietzsche, Freud e Weber acreditavam fazer questionamentos das religiões e de Deus quando faziam apenas críticas das representações sociais das religiões e de Deus. Esta fratura epistemológica expõe sua falha na abordagem desses temas. Tendo isso em mente e a afirmação de Marx, constante na introdução da Crítica da filosofia do direito de Hegel (1844), segundo a qual “a religião é o suspiro da criatura oprimida, o ânimo de um mundo sem coração e a alma de situações sem alma; a religião é o ópio do povo”, discuta:

    3) Ao afirmar que “o Judiciário brasileiro deveria aprender com isso”, Boulos emprega o dêitico ─ do grego deíkticos (aquele que mostra, demonstra) ─ “isso” para demonstrar que:

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    4) No trecho “ainda mais com tantos juízes que tem (sic) time político escancarado”, Boulos se apropria da releitura de Lênin sobre a teoria marxista; contrariando o postulado original, o russo acreditava que a revolução proletária resultaria das contradições do capitalismo, não mais de um processo em que a marcha da história levaria ao aperfeiçoamento do homem, passando pelo socialismo e culminando no comunismo ─ esta desgraça que só deu errado onde foi tentada ─; ainda que usando elementos da doutrina marxista, Lênin pretendeu acelerar a história criando a vanguarda revolucionária para que esta chacoalhasse a árvore dos acontecimentos fazendo a revolução despencar na consciência das classes proletárias. Sem conseguir o mesmo, o PT chacoalhou a árvore dos acontecimentos aparelhando o Estado, notadamente o Judiciário, assim este trecho do tuíte revela que para Boulos:

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    Entre a boçalidade e a chatice

    Escolheu ambas quem politizou o futebol, afirmando que somos mais felizes quando sabemos o nome dos 11 do STF, e não os da Seleção. Poderia ao menos falar só por si, mas essa gente cansativa tem a síndrome do porta-voz, acha que representa a coletividade, vai até o limite do ridículo e dá mais um passo: detesto saber o nome e o que faz o ministro Barroso, por exemplo, queria saber mais do Philippe Coutinho. Ao contrário dos jogadores, juízes/ministros bons são os ignorados. Houve quem dissesse que o pior não é empatar com a Suíça no futebol, mas perder para ela por 7 x 1 na saúde, educação, segurança. Fiquei só pensando. No futebol, é ruim, sim, empatar com a fraca Suíça e o resultado do jogo é determinante só para a Copa, não para a saúde, a educação e a segurança públicas brasileiras; nossos dramas nessas áreas continuarão exatamente onde estão: fora do futebol. A pessoa que acha pertinentes paralelos entre Berna e Carapicuíba deve pensar que fica parecendo mais inteligente, mas é só uma boçal na politização/problematização de tudo o tempo todo, do sexo às marchinhas de Carnaval, do uso de turbantes ao futebol, esvaziando essas coisas de suas dimensões e dinâmicas específicas. Patrulheiro. Falsificador. Empobrecedor. Cansativo. Pedante. Artificial. Inútil. Se não houver reação, o país ficará cada vez mais chato, careta e imbecilizado.

     

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    E se não fosse tua filha?

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    Um bando de brasileiros sórdidos se divertiu ─ Deus do céu! ─ envergonhando os conterrâneos civilizados, desrespeitando os anfitriões da Copa e humilhando uma moça russa. Há quem não veja vestígio algum nessa sordidez: tudo em nome dessa coisa difusa, da compulsiva alegria tropical que faz o brasileiro estar-de-bem-com-a-vida, como estão dizendo os adeptos da sordidez. Enquanto muitos brasileiros ficaram enojados, não poucos acharam que o repúdio não passa de um surto de puritanismo por parte dos críticos. É esta nossa difusa brasilidade euro-nagô malemolente, um álibi fajuto para nossa incivilidade e remédio ineficaz para uma libido patológica cujo gozo misógino reduz uma pessoa inteira à b*ceta rosa. Os sensatos ainda tentam fazer o sórdido se voltar para o lado civilizatório: cara, mas e se fosse com tua filha, tua mulher, tua mãe, tua amiga? Não vou por aí, minha questão é outra: e se ela não fosse tua filha, nem tua mãe, nem tua mulher, nem tua amiga, irmã, etc.? Fosse o que ela é: um indivíduo com direito à individualidade sem que esta fique condicionada a papéis de mãe, esposa, irmã, etc. Ponto. Uma pessoa que, igual a você, assim se constitui antes de assumir qualquer papel e merece não ter sua individualidade assaltada por um bando sórdido.

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