Valentina de Botas
Revi o filme “O Mágico de Oz” no domingo do segundo turno das eleições e pensei em algumas equivalências com o Brasil. Nem todas são possíveis ou exatas e não pretendo fazer como Carlitos numa cena do filme “O Vagabundo”, em que, depois de enfiar roupas de qualquer jeito numa mala e fechá-la, ele vê que pedaços das roupas ficaram para fora e resolve isso passando uma tesoura nelas. A realidade é esta coisa da qual sempre há uma sobra de que ou não nos damos conta ou com a qual não conseguimos lidar. O PT, a meu ver, era uma opção suicida, mas escolher o outro candidato também não me parecia a estrada de tijolos amarelos que nos conduziria ao Mágico de Oz. O clássico de 1939 é diferente do livro em que se inspira, de L. Frank Baum; no filme, uma estrada de tijolos vermelhos (inexistente no livro) se entrelaça à de tijolos amarelos. Uma escolha tinha de ser feita e o Brasil a fez, dizem os analistas, sobretudo para matar a Bruxa Má do Leste. Porém as eleições (a escolha da estrada) eram só o começo da jornada ou, para os não deterministas, como eu, representavam a continuação da História, coisa que nunca é zerada, daí também a razão de debochar dos portadores de novos amanhãs e do alvorecer do novo homem ─ sabe aquelas conversas de nunca-antes-na-história-deste-país ou todos-são-iguais-só-eu-sou-diferente? Então.
Bolsonaro escolheu muito bem a Ministra da Agricultura. A deputada Tereza Cristina do DEM-MS (centrão, viu?) é respeitada, ligada ao agronegócio moderno e de confiança de ruralistas, valoriza a agricultura familiar e, ao mesmo tempo, tem plena consciência da enorme importância do agronegócio de grande escala no PIB. Para quem escapa à divisão pobre do mundo em esquerda e direita e sabe que alimentar 204 milhões de pessoas e ainda exportar num mundo selvagemente competitivo exige fazer contas em vez de briguinhas ideológicas. Sensata, Tereza Cristina se opõe à fusão dos Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Como os outros anunciados ─ Guedes, Moro, Pontes ─, a deputada pode ser vista também como uma técnica, mas esse nem é o aspecto mais positivo, e sim o fato de ela ser política. Governar um país é um desafio enorme cuja superação não se dá com uma equipe de tecnocratas, isso é irreal; é essencial fazer política. Guedes poderia ser o rei-sol da economia, mas se quiser dar “uma prensa” no Congresso, será cozido no próprio calor. Política é a substância real de se governar, inerentemente democrática porque exige a interlocução e uma relação dialógica e simétrica já que os três Poderes são independentes. A negação da política instaura a tirania e/ou a beligerância.
Prefiro este Bolsonaro capaz de reconhecer a importância da interlocução ao candidato beligerante que parece ceder espaço ao presidente Bolsonaro que vai tateando o real. Há ressalvas ─ apoiar a maluquice inconstitucional de gravar professores dando aula para ser denunciados por crime nenhum (doutrinação é detestável, mas não é crime, e deve ser enfrentada com argumentos e até recorrer à coordenação); aborrecer árabes com quem temos negócios da ordem de U$10 bilhões ao se meter desnecessariamente no enrosco de Jerusalém como capital de Israel; a picuinha com a China numa briga desigual ─, mas a realidade, com a qual não se negocia, oferece a política (com o centrão, com a velha política, sim e ainda) para negociar o melhor possível dentro da realidade e a transformar. A nossa, que já não era bonita, piorou com a aprovação no Senado do aumento de salário para o funcionalismo do Judiciário. Uma decisão absurda, do tipo a favor do qual o parlamentar Bolsonaro sempre votou e que mostrará ao presidente Bolsonaro a distância até aqui invencível entre o mundo irreal em que Brasília (com seus ecossistemas político e do funcionalismo) flutua e a nação real esmagada por ele.
A reforma da Previdência será uma espécie de rito de passagem entre o candidato pobre em interlocução além de certo eleitorado, limitado na percepção dos nossos problemas e vago quanto à apresentação de soluções para eles e o presidente eleito que começa a entender a real em que se meteu. O sucesso de seu governo será medido pela recuperação da economia que ajudará na diminuição da criminalidade e da violência, razão primeira da eleição de Bolsonaro, mas que não se dará num país com 14 milhões de desempregados. Ocorre que a agenda desenvolvimentista que Bolsonaro ensaia para a economia não virá para o mundo real se o presidente não fizer a reforma da Previdência. O diabo é que o homem da interlocução do novo governo com o Congresso, Onyx Lorenzoni, repete que a Previdência não é deficitária e que a reforma pode esperar. Enquanto isso, Guedes quer “dar uma prensa” no Congresso para fazê-la: a interlocução indispensável não tem a lucidez fundamental e esta é alheia àquela.
“Tenho grande admiração pelo deputado federal Onyx. Sobre seu passado, ele mesmo pediu desculpas pelo erro e tá tudo certo”, declarou Sérgio Moro (juiz? ministro?) na coletiva do dia 6, em Curitiba, sobre a admissão de Lorenzoni de ter recebido R$ 100 mil da JBS, por caixa 2. No ano passado, numa palestra em Harvard, Moro dissera que “temos de falar a verdade, caixa 2 nas eleições é trapaça, um crime contra a democracia”. Guardem as facas, senhores, não estou inventando nada, apenas relatando os fatos. Me atacar não os faz desaparecer. Moro disse o que disse e a única coisa que se pode fazer é achar que uma pessoa ainda no cargo de juiz pode fazer considerações desse tipo porque essa pessoa é Sergio Moro ou achar que, principalmente por ser ele quem é, tais considerações não são razoáveis.
Que se dê a cada um o que lhes falta, talvez assim alcancemos esse lugar além do arco-íris: ao espantalho, um cérebro; ao homem de lata, um coração; ao leão, coragem. Deixo que meu eventual caro leitor os identifique no texto ou decidam se tais equivalências sobraram e merecem a tesoura de Carlitos.