Em uma entrevista concedida ao The New York Times em 2010, Steve Jobs (1955-2011), o fundador da Apple, foi questionado sobre como era a relação de seus filhos com duas de suas criações, o iPad e o iPhone. A resposta foi enfática: “Eu limito a quantidade de tecnologia a que eles têm acesso”. A afirmação do célebre empreendedor americano acendeu um sinal de alerta: certamente existiria algo de muito preocupante no uso exagerado de tablets e smartphones, tanto assim que até seu inventor apresentava restrições àquelas inovações.
A ressalva de Jobs tem se provado pertinente nos últimos anos. Um estudo publicado em novembro de 2017 pela Universidade de Seul (Coreia do Sul), por exemplo, mostrou que a utilização excessiva de telas como a de celular gera alterações químicas no cérebro que levam a reações idênticas às da síndrome de abstinência e a outras similares às que decorrem da dependência de drogas. Ou seja: os gadgets modernos e as redes sociais podem ser danosos — e, por esse motivo, é indicado limitar o acesso a eles. Não por acaso, surgiram recentemente ferramentas que visam a ajudar as pessoas a controlar as horas que passam em aplicativos e sites.
Uma ajuda, ressalte-se, para lá de providencial. O estudo sul-coreano apontou também os resultados da utilização descontrolada de tablets e celulares no convívio com familiares, na produtividade e na forma de lidar com emoções. Os adictos, constataram os acadêmicos, apresentam maiores níveis de depressão, ansiedade, insônia e impulsividade. Já outro levantamento, de 2015, feito pela Universidade Nottingham Trent (Inglaterra), revelou indícios de vício nesses dispositivos. Usuários costumam ficar mais de cinco horas por dia diante do smartphone. Descontando-se o tempo médio de sono, as pessoas passam, portanto, um terço da vida curvadas sobre um celular.
Alarmado, o Google, dono do Android — o sistema operacional de smartphones mais popular do planeta —, indicou um caminho para atacar o problema. Em pesquisa de 2017 realizada pela empresa, descobriu-se que a medida mais eficaz para incentivar indivíduos a maneirar no uso do celular é fornecer a eles dados de como navegam pela internet no smartphone. Só de saber quantos minutos gasta com esse hábito, a pessoa tende a diminuir o acesso.
Nessa linha, a Apple lançou, em setembro passado, uma nova ferramenta para o iPhone. O aparelho passou a registrar as horas gastas com sua utilização. O Android seguiu a corrente, estreando recurso semelhante em novembro. Antes, em outubro, as redes sociais Facebook e Instagram já haviam disponibilizado opções similares. Pode-se, inclusive, determinar um tempo máximo de uso, e, quando se ultrapassa o limite, recebe-se uma notificação.
“Para saber se o hábito se transformou em vício, é preciso autoanalisar-se, como faz, por exemplo, um fumante”, diz o psiquiatra Cristiano Nabuco, do Grupo de Dependências Tecnológicas da USP. “Caso sinta alterações como sudorese, ansiedade e irritabilidade quando estiver diante do aparelho, preocupe-se”, esclarece ele. Em alguns países, como Estados Unidos, Inglaterra e Japão, a dependência de tecnologias já é tida como um problema de saúde pública. Sim, Jobs tinha toda a razão.
Publicado em VEJA de 9 de janeiro de 2019, edição nº 2616