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Por Coluna
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O último Natal com foro privilegiado

Os políticos republicanos, que roubaram antes e depois do Natal, não têm os remorsos da Rainha Louca, que, aliás, nunca roubou nada

Por Deonísio da Silva
Atualizado em 26 dez 2018, 17h34 - Publicado em 23 dez 2018, 11h28

Deonísio da Silva

Aqueles políticos que roubavam e dormiam o sono dos justos, sonhando em roubar mais sob foro privilegiado e perpétuo, estão apreensivos. Não mudou o Natal, mas mudou o Brasil.

Receberão os presentes de Papai Noel, como sempre, que chegará em seu trenó puxado por nove renas voadoras. Eram oito os animais, número inspirado nas oito patas do cavalo voador do ancião nórdico que precedeu o misericordioso São Nicolau.

Ambos os personagens míticos tiveram como sucessor o Papai Noel, que nos EUA, já no século XX, recebeu mais um cervídeo para puxar sua carruagem, a Rena do Nariz Vermelho.

Um mergulho nas palavras e em seu contexto nos ensina que o Natal é uma festa de importância mundial há milênios. E uma festa cristã desde o século IV para celebrar o aniversário de nascimento do homem cuja importância mudou nossa forma de contar o tempo antes e depois dele. E, curiosamente, nesta festa o aniversariante não ganha presentes, quem ganha são os convidados.

O consolo é que neste Natal os maus políticos receberam um presente de grego para eles: tudo indica que 2019 trará o fim do foro privilegiado. Vão fazer de tudo para se livrar do donativo tão logo passem as festas de fim ano, o recesso, o Carnaval etc., pois no Brasil o Feliz Ano Velho termina rapidinho, mas o Feliz Ano Novo demora a começar.

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Em outras épocas, inclusive nos tempos monárquicos, vigoravam outros pudores e temores. Os políticos republicanos, que roubaram antes e depois do Natal, não têm os remorsos da Rainha Louca, que, aliás, nunca roubou nada. Dona Maria, que mandou enforcar Tiradentes, futuro patrono do Brasil, achava que seu pai, o rei Dom José I, estava no Inferno e este seria também o destino dela depois da morte que se avizinhava.

O pai, por ter sido cúmplice dos crimes políticos atribuídos a seu principal ministro, o Marquês de Pombal. E ela por pecados como o de mandar esquartejar Joaquim José da Silva Xavier e por outras faltas que apenas a seu confessor confidenciava.

Ao fugir das tropas do general Junot que, a mando de Napoleão, invadiu Portugal, a rainha, que já estava louca, teve súbita clareza ao perceber a pressa das carruagens que levavam a Família Real para o embarque: “Por que tão depressa? Nós estamos fugindo?”.

Talvez esta pergunta faça sentido também para muitos que estão agora deixando o poder. Faz algumas décadas que o Brasil republicano reinstaurou as dinastias sucessórias. Havia famílias inteiras que não saíam das tetas do governo e desta vez foram aposentadas pelos eleitores. O que mais parecem ter lamentado, porém, é outra coisa: o fim do foro privilegiado.

Dona Maria I, o filho Dom João VI, um menino chamado Pedro, que viria a proclamar a independência política do Brasil dali a apenas quinze anos e todos os fugitivos passaram aquele Natal de 1807 em alto mar, a caminho do Brasil. Ao todo, eram cerca de 15.000 pessoas e a viagem durou 54 dias de Lisboa a Salvador, onde se deu o primeiro desembarque antes de se fixarem no Rio.

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Oito anos depois do desembarque, portanto em 1816, pois dataram a chegada, não a partida, uma esperteza de estilo, e apenas seis antes do neto proclamar a independência de País tão acolhedor, Dona Maria I morreu no Brasil certa de que iria para o Inferno. Dom João VI perguntava todos os dias aos padres se a mãe tinha ido para o Céu ou para o Inferno. A preocupação dos absolutistas era serem punidos, mesmo depois da morte, ainda que a Revolução Francesa tivesse mostrado que alguns perdiam a cabeça antes de subir ao Céu ou descer ao Inferno.

Os padres da Capela Real eram os únicos que garantiam que a rainha tinha ido diretamente para o Céu. Os padres da Candelária diziam a Dom João VI que sua mãe tinha ido para o Purgatório, de onde seria remida, mas sua alma ainda sofria muito. E sem foro privilegiado, que as almas não contam com este refrigério.

Dona Maria I tinha morrido no Brasil e o funeral durara oito dias. Anos depois, seu corpo fez a viagem de volta a Portugal em dez semanas e foi levado ao parlamento português, que não existia antes da fuga e da vinda para o Brasil. O absolutismo tinha sido derrotado.

Depois de cinco anos num país tropical, mesmo num caixão preparado com ervas e especiarias aromáticas, o mau cheio era insuportável, como testaram e atestaram suas duas netas que presidiram a cerimônia de abertura do caixão. A rainha cadáver foi vestida de preto, com gorro, sapatos e meias e ficou exposta na igreja por dois dias para que nobres prestassem a última homenagem e beijassem a mão da soberana já com luvas novas. Seu rosto tinha adquirido um tom enegrecido. E só depois de todas estas homenagens a rainha finalmente foi enterrada para o descanso eterno.

Descanso de verdade terão os eleitores depois que for implementado o fim do foro privilegiado. Se todos são iguais perante a lei e longe vão os tempos absolutistas de Dona Maria I, que enfim a República Federativa do Brasil possa tratar ladrões como ladrões, e gente de bem como gente de bem, pois esta convivência com a impunidade está estragando o Brasil antes, durante e depois do Natal.

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*Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor
Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra

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