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Nomes que o povo dá a coisas e pessoas

É mais confortável morrer em português. Como é que você vai dizer para o médico gringo, em inglês: “Tô com uma dor no peito que responde na cacunda?”

Por Deonísio da Silva
Atualizado em 23 set 2018, 11h28 - Publicado em 23 set 2018, 11h20
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    Na semana que vem, o calendário celebra Cosme e Damião (dia 26), dois santos que foram irmãos gêmeos. Eles praticavam de graça a Medicina. Eram anárgiros, palavra de origem grega para designar quem é inimigo do dinheiro!

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    Em vários Estados, os dois policiais que andam sempre juntos são chamados Cosme e Damião. Ou Pedro e Paulo. Ou, como ocorre com a polícia feminina, Marta e Maria. Naturalmente, todos eles têm outros nomes. Esses destinam-se a designar as duplas.

    Faz mais de dois milênios que as duas duplas bíblicas (Pedro e Paulo, Marta e Maria), ambas do Novo Testamento, apareceram. Somadas a Cosme e Damião, que viveram no século III, integram essa meia dúzia de personagens emblemáticas na cultura ocidental, que é predominantemente cristã.

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    É provável que esses santos, irmãos gêmeos, sejam inspirados na mitologia grega. O deus Zeus se apaixona por uma mulher muito bonita chamada Leda, esposa de Tíndaro, rei da Esparta.

    Ardendo de amor por ela e sabendo que seria recusado, Zeus transforma-se em cisne e vai nadar nas mesmas águas onde Leda está se banhando. Ela o põe no colo e o acaricia.

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    Meses depois, Leda põe dois ovos, tendo quadrigêmeos. Mas Leda não era uma mulher? Era! Mas para Zeus nada é impossível, muito menos uma mulher pôr ovos, uma vez que todo mês ovula, e óvulo é de ovo.

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    De um dos ovos nascem Castor e Helena. De outro, Pólux e Clitemnestra. Helena e Pólux são filhos de Zeus. Portanto, são imortais. Castor e Climnestra são filhos de Píndaro, e, portanto, mortais.

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    Generoso, o irmão imortal divide sua imortalidade com o outro. Eles passam a morrer e a viver alternadamente. Zeus, então, fixa os gêmeos num lugar onde não sejam separados nem pela morte: uma constelação que passa a ter o nome deles: Gêmeos.

    Como Cosme e Damião praticavam a medicina de graça (na Síria, onde foram martirizados), vamos ver como é que o povo chama “no popular” certas doenças.

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    Diarreia virou caganeira. Toxoplasmose, muito perigosa na gravidez, por resultar em má formação do feto, é conhecida por doença do gato, por se crer que o animal a transmite.

    Ascite é barriga d’água. Apendicite é apenas pênis, mas de gênero feminino, uma vez que o povo conhece o pênis por outros nomes.

    “Ela foi operada da pênis”, eu ouvia na minha infância. Achava estranhíssimo. Mulher com pênis? É que o povo pronunciava “apênis” em vez de “apêndice”. Então, o médico operava da “apênis”, que soava “da apênis”, mas era o apêndice, um substantivo masculino tornado feminino na boca do povo.

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    Tenesmo (dificuldade de mijar ou de ir aos pés) é nó nas tripas. Já o erudito trypanosoma cruzi é conhecido por barbeiro. “Sua filha está com barbeiro”, diz ao médico à mãe da adolescente. E ouve em resposta: “Doutor, ela realmente é amasiada com um rapaz, mas ele sempre disse que era carpinteiro”. Bicho-carpinteiro é o outro nome do escaravelho.

    O filme O Escaravelho do Diabo, baseado no livro homônimo da escritora mineira Lúcia Machado de Almeida, um clássico da literatura infantojuvenil, jamais poderia chamar-se O Bicho-Carpinteiro do Diabo.

    Acne é espinha. A erupção na pele, comum na adolescência, nasceu do erro de um copista que trouxe a palavra do Grego para o Latim e confundiu “akmé”, ponto, com “akhne”, espuma. Ele deveria ter escrito “akmé”, mas copiou “ákhne”. A todas as manchas e feridas da pele semelhantes ou não à acne, que estejam no rosto ou em outra parte do corpo, o povo dá um nome só: pereba, do Tupi pe’rewa, chaga, ferimento.

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    As doenças têm nomes populares que referem o que sentem, veem e sofrem os doentes. E também os familiares, seus primeiros enfermeiros.

    De resto, Cosme e Damião foram os últimos anárgiros. Hoje, só pagando, mesmo os médicos cubanos do programa Mais Médicos, que talvez demorem a entender as queixas dos pacientes brasileiros.

    Não apenas eles. O maestro Tom Jobim antevia dificuldade de traduzir para o Inglês, caso fosse atendido por médico estrangeiro, “É mais confortável morrer em português. Como é que você vai dizer para o médico gringo, em inglês: “Tô com uma dor no peito que responde na cacunda?”

    O maestro, também violinista, pianista e cantor, homenageado com o nome do aeroporto do Galeão, morreu num hospital dos EUA sem poder, de fato, traduzir a frase. Tinha apenas 67 anos.

    *Deonísio da Silva
    Diretor do Instituto da Palavra & Professor
    Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
    https://portal.estacio.br/instituto-da-palavra

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