“Meu cargo, minha vida” e outras notas de Carlos Brickmann
O presidente Jair Bolsonaro age como se não houvesse ninguém no Ministério da Justiça. E talvez tenha razão
Publicado na Coluna de Carlos Brickmann
Ao formar seu Governo, parecia que Jair Bolsonaro se escorava na fama de dois de seus ministros, ou superministros: Sergio Moro e Paulo Guedes. Bolsonaro se revelou um profundo conhecedor da natureza humana: os dois são importantes, mas a caneta presidencial é mais importantes do que eles.
Guedes, que no mercado financeiro sempre operou com eficácia e em silêncio, passou a falar, sempre repetindo o discurso do Capitão do Time: agora, além de dar palpite na política interna de um país vizinho, chegou a perguntar desde quando o Brasil precisou da Argentina. Ele sabe a resposta, claro: desde que a Argentina é a maior importadora de carros brasileiros, desde que a Argentina dá ao Brasil US$ 4 bilhões de superávit comercial. O economista Paulo Guedes sabe o valor de US$ 4 bilhões.
Pior é Moro, que no Ministério se tornou um colecionador de derrotas. E é ótimo para aceitar desfeitas. Bolsonaro prometeu-lhe que, como o Coaf não ficaria sob seu comando, manteria o presidente indicado por ele. Em seguida, mandou afastar o citado presidente. Embora a Polícia Rodoviária Federal seja subordinada ao Ministério da Justiça, Bolsonaro disse num discurso que a mandaria suspender o uso de radares móveis (pode ser que depois tenha avisado o ministro). Em seguida, sempre sem ouvir Moro, mandou trocar o diretor da Polícia Federal no Rio. Bolsonaro age como se não houvesse ninguém no Ministério da Justiça. E talvez tenha razão.
O absurdo
Bolsonaro prometeu continuar lutando para acabar com os radares que monitoram as rodovias federais, reduzindo acidentes, mortos, feridos. Como não diria Bóris Casoy, isto é um absurdo. Que pensa Sergio Moro da posição do presidente, que proibiu a Polícia Rodoviária Federal de usar radares móveis? Apoia, o que seria incrível? Ou aceita, pensando em futura escolha para o STF? Neste link, o que se faz na Suécia para salvar vidas.
Lava quem?
É provável que o Moro juiz reagisse contra o pedido (vitorioso) de Flávio Bolsonaro ao STF que suspendeu as investigações sobre ele. Já o Moro ministro se manifesta por um estrondoso, retumbante silêncio. Comenta-se que a estreita relação de Bolsonaro com o presidente do STF, Dias Toffoli, tem o objetivo de tirar as pedras do caminho dos enrolados e usá-las para cobrir casos passados: Geddel, por exemplo, Lula e outros. Há fortes chances de que Lula seja solto em pouco mais de um mês, talvez com os processos anulados pelo STF — e Toffoli próximo de Bolsonaro.
Barbaridades…
Em discurso no Piauí, Bolsonaro disse coisas inaceitáveis: por exemplo, que os vermelhos devem ir para a Venezuela ou Cuba. Um general que Bolsonaro admira, João Figueiredo, último presidente militar, dizia que lugar de brasileiro é no Brasil. Quem discorda do Governo exerce um direito. Pode, como os fundamentalistas, ser chato, mas é chato brasileiro.
…e acertos
Por mais que os adversários de Bolsonaro o critiquem, há ocasiões em que está inegavelmente certo. No mesmo discurso do Piauí, falou da vocação agrícola do Estado, que tem clima, terras e água, está mais perto do mercado europeu do que outros Estados e pode se transformar em polo produtor e exportador de frutas. Tem condições — o que é verdade — de se tornar um Estado de alta renda per capita, como um tigre asiático.
Barbaridades e acertos
Bolsonaro diz que o Brasil não precisa do dinheiro norueguês e alemão para cuidar da floresta amazônica, e desafia Alemanha e Noruega a fazer o reflorestamento do seu próprio território. Bobagem: os dois países fizeram isso há tempos (e cuidam também do meio-ambiente tratando todo o esgoto antes de lançá-lo nos rios e mares). Mas tem razão em outros pontos: só a Floresta Amazônica é maior que toda a União Europeia. O Amazonas preserva 94% de seu território; o Amapá, mais de 99%. O desmatamento ilegal (para o comércio de madeiras de lei, por exemplo) é nocivo e tem de ser combatido. Mas é banditismo, é questão de polícia, e de polícia bem armada que o pessoal é perigoso. Mas desmatar não é política de governo.
Recomendação
Para quem estiver em São Paulo nesta terça-feira, dia 20, recomendo a noite de autógrafos de Marli Gonçalves, ótima jornalista com quem tenho o prazer de trabalhar há quase 30 anos (temos até gatos gêmeos, a dela a Love, o meu o Vampeta). Feminismo no Cotidiano — Bom para mulheres e para homens também, livro que mostra, com precisão e bom texto, que o feminismo é uma causa justa, será autografado na Livraria da Vila, alameda Lorena, 1.731, a partir das oito da noite. A editora é a conceituadíssima (e exigentíssima) Contexto. Estarei lá, claro. Como poderia faltar?