PUBLICADO NA EDIÇÃO IMPRESSA DE VEJA
Ele continua entre nós, esse incomparável Velho do Restelo, mais vivo do que nunca 500 anos depois de criado pelo gênio de Camões, e sempre em forma para desafiar os poderosos de qualquer lugar e de qualquer época. Hoje, em vez de surgir no melhor da festa em volta da Torre de Belém para rogar sua praga sobre o Gama, na partida das caravelas que saíam da Lisboa de 1497 na esperança de descobrir o Caminho das Índias, nosso duríssimo Velho poderia estar diante da rampa do Palácio do Planalto.
Ali, dia sim, dia não, ou provavelmente todos os dias, teria excelentes oportunidades para dirigir à presidente Dilma Rousseff as palavras que dirigiu a Vasco da Gama e a El-Rei de Portugal. Ambos já tinham provocado muita pena e muito dano, pela “glória de mandar” e “vã cobiça”; o que mais queriam fazer de ruim? É o que os brasileiros têm o direito de perguntar à presidente neste começo de seu segundo mandato: depois de tudo o que fez no primeiro, que castigos ainda vai nos aplicar durante os próximos quatro anos?
É bom não contar com grande coisa. Em menos de um mês deste segundo governo, Dilma já escolheu aquele que pode ser o pior ministério brasileiro de todos os tempos. Começou a executar uma venenosa derrama que vai punir sobretudo quem vive com mais dificuldade. No momento em que o Brasil mais precisa de harmonia com o mundo desenvolvido, para aliviar as misérias criadas por quatro anos seguidos de decisões econômicas erradas, a presidente resolve ir à Bolívia; foi prestar homenagem ao chefe cocalero que inunda o Brasil com drogas pesadas, tomou propriedades da Petrobras sem pagar um centavo de indenização e transformou seu país num paraíso para a receptação de carros roubados aqui. Junto com tudo isso, como se comprovou na semana passada com a queda de energia elétrica em pelo menos dez estados, o governo deixa claro o que vem escondendo há anos: a população brasileira está sob ameaça real de um colapso na oferta de eletricidade. O resumo da obra é ruim. Se em poucos dias de seu novo mandato Dilma conseguiu aprontar tudo isso, que desastres vão cair até 2018 sobre esta terra e esta gente?
A crise do setor elétrico é uma tomografia perfeita da doença mais perigosa, talvez, das muitas que mantêm há doze anos na UTI a administração pública deste país – a pura e simples incapacidade dos governos do PT, e especialmente de Dilma Rousseff, de resolver problemas concretos. Na questão da energia, para ficar apenas no fracasso mais recente entre tantos outros – que tal a última prova do Enem, em que 500 000 estudantes da “Pátria Educadora” tiraram nota zero em redação? -, há todas as evidências possíveis de incompetência maciça, permanente e agressiva. Nos quatro primeiros anos de Dilma, houve 240 apagões de todos os tipos. O que mais seria preciso para o governo descobrir que existe um problema de energia elétrica no Brasil? Mas, como insistiu a presidente o tempo inteiro, só um ignorante poderia pensar em algo parecido. Toda a sua angústia é com o uso da palavra “apagão”. Quer que se diga “interrupção” no abastecimento; acha que assim o problema irá embora.
A arrogância, a irresponsabilidade e o egoísmo do poder público na gestão da energia elétrica, um exagero até para o “padrão Dilma” de governo, ficam claros quando se sabe que no primeiro semestre do ano passado técnicos do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) pediram que o governo organizasse um racionamento, pela óbvia falta de oferta. Impossível, respondeu Brasília; estamos em ano eleitoral. Logo depois da eleição, com Dilma instalada no poder para mais um mandato, o pedido foi feito de novo; a resposta foi um outro não. Os profissionais do ONS se espantam, agora, quando o ministro de Minas e Energia jura que não faltará luz elétrica em 2015. “Como o ministro pode dizer isso?”, pergunta um deles. “Ele sabe que os reservatórios estão secos e que nunca se consumiu tanto quanto agora, por causa do calor.” Nenhum discurso vai mudar o fato de que a crise está aí: o sistema simplesmente não fornece a energia no momento ou nos locais em que é solicitada, e a culpa por isso é de um governo que teve doze anos inteiros para fazer alguma coisa a respeito, mas não fez nada.
O ministro agora nos convida a contar “com Deus” para resolver a parada; nem ele acredita mais em Dilma. É muita pretensão. Deus dificilmente terá tempo, ou interesse, para resolver problemas que não criou.