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Augusto Nunes

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Guernica

Que a tentativa de eliminação física de um adversário político nos sirva de alerta sobre os excessos que insistimos em subestimar

Por Sonia Zaghetto
Atualizado em 30 jul 2020, 20h20 - Publicado em 7 set 2018, 15h33
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  • Sonia Zaghetto

    Amanheceu o dia da Pátria. Silencioso, ensanguentado, a lamber suas feridas.

    Vestido de luto, de ressentimento, de sentimentos mesquinhos. Um rio de raivas disfarçado de país.

    No que nos tornamos, meu Deus?

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    Durante muito tempo foi cevada essa disputa, seus frutos amadureceram e caíram de podres.

    A política se tornou um componente tóxico que envenenou os espíritos. O nós contra eles, longamente alimentado, agora é bandeira coletiva. Embriagada de “verdades” nossa gente se propõe a dar lições sobre tudo: economia, política, relações internacionais, e segurança pública. As convicções, alimentadas por mensagens e vídeos de origem duvidosa, são gestadas por especialistas de internet, justiceiros cuja popularidade cresce a cada manifestação raivosa ou alarmista. A polidez saiu de cena, cedeu espaço a palavrões e autoritarismos impertinentes, à moda de deturpar a língua para soar moderninho, a comentários bizarros. Perdemos os limites, tornamo-nos caricatos, numa exibição despudorada e permanente de má educação, que a nada respeita e de tudo debocha.

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    A violência, bicho insaciável, saltou das redes sociais para a vida física. Implacável. Em sua trajetória de destruição, abateu relações, manchou amizades, separou famílias. Os alertas se tornaram clichê, mas não lhes demos ouvidos.  Ao contrário, deles rimos, rotulando-os de voz da covardia. Neutralidade passou a ser ridícula; serenidade, objeto de chacota. O populismo — de direita e de esquerda — brincava de Nero e nós ríamos, esquecidos de que somos os romanos nas casas incendiadas.

    Neste instante — em que o atentado à vida de um presidenciável deixa o horizonte civilizatório mais distante — lembro das lições da história, quando outros povos se converteram em algozes de si mesmos. Detenho meus olhos sobre a Espanha, cuja disputa entre nacionalistas e republicanos, direita e esquerda, desaguou numa sangrenta guerra civil e numa ditadura que atravessou quase todo o século XX.

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    Ao final da luta, cujas sequelas permanecem ainda hoje, estavam mortos milhares de espanhóis, sem mencionar os estupros, os prédios incendiados, as cidades destruídas. O maior poeta da época, Federico García Lorca, tombou assassinado, e Picasso pintou Guernica devastada pela artilharia alemã. Sim, pois no auge das paixões políticas, o generalíssimo Franco não hesitou em se aliar a Hitler para massacrar seu próprio povo.

    Meu temor é nos convertermos em uma Guernica tropical, no qual o lamento das viúvas e órfãos encherá as ruas, prédios arderão e os cadáveres cobrirão o chão.

    Amanheceu o Dia da Pátria. E estávamos menores. Nossa sociedade, adoecida e violenta; nossa democracia, em frangalhos; nossas instituições, desacreditadas Uma facada nos segredou que ontem ultrapassamos a linha de perigo. Além, as águas são perigosas.

    Que a tentativa de eliminação física de um adversário político nos sirva de alerta sobre os excessos que insistimos em subestimar. É hora de recuar na selvageria que nos espreita, de refrear as fúrias que rugem, de ressuscitar o bom senso cada vez mais raro neste Brasil de tantas infelicidades.

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