Não deixa de ser curiosa, no mínimo, a investida do Ministério Público Federal (MPF) contra o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Rogério Marinho. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) remeta à Justiça Eleitoral do Rio Grande do Norte o inquérito que tramita na Corte para apurar a suposta prática de “caixa 2”, corrupção passiva e lavagem de dinheiro quando Marinho concorreu à prefeitura de Natal, em 2012.
A estranheza vem desta súbita diligência do MPF para apurar crimes que teriam sido cometidos há sete anos. Será mera coincidência o brio aparecer no momento em que o secretário adquire maior projeção no País por ser um dos principais articuladores da aprovação da reforma da Previdência?
É inescapável notar que uma das mais aguerridas forças de oposição à reforma do sistema previdenciário é exercida por segmentos do funcionalismo público, em especial por alguns juízes, promotores e procuradores — vale dizer, a elite da categoria — bastante afeitos aos holofotes, não raro a uma militância política da qual deveriam guardar prudente distância para o exercício de suas obrigações constitucionais.
É possível que o secretário Rogério Marinho tenha elementos para exercer sua defesa quando, e se, o inquérito chegar à Justiça e se tornar um processo instaurado contra ele. Se são elementos robustos ou não, a sentença haverá de dizer ao final do devido processo legal. Mas não é disso que se trata aqui. Trata-se de uma demora e de uma coincidência.
O caso se inicia com a contratação, em 2012, de uma empresa para produzir os vídeos da campanha do então candidato Rogério Marinho. Essa empresa, segundo a Polícia Federal (PF), teria recebido R$ 1,9 milhão pelos serviços prestados, mas apenas um quarto deste valor, R$ 499 mil, teria constado da prestação de contas apresentada por Marinho ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Por meio de nota, o secretário disse que as contas de sua campanha à prefeitura de Natal foram aprovadas pela Justiça Eleitoral. Em depoimento, Marinho disse que precisou renegociar os valores com a empresa em função de “dificuldades financeiras” durante a campanha.
No início de março do ano passado, o STF acolheu pedido da PF e instaurou um inquérito para investigar Marinho pela suposta prática de falsidade ideológica para fins eleitorais, corrupção passiva e lavagem de dinheiro. De acordo com a representação da PF ao STF, o secretário teria gasto em sua campanha à prefeitura de Natal muito mais do que declarou à Justiça Eleitoral. O caso foi ao STF porque no momento do pedido de instauração do inquérito, em 2018, Marinho era deputado federal pelo PSDB e tinha, portanto, foro especial por prerrogativa de função.
Como se nota, o inquérito já chegou com atraso ao STF, visto que o objeto de investigação são delitos supostamente cometidos há anos. E da instauração para cá houve nada menos do que três pedidos de prorrogação acolhidos. Ou seja, não houve competência dos agentes do Estado para juntar elementos probatórios suficientes para ensejar a apresentação de uma denúncia contra o indiciado. Assim, mantém-se Marinho vulnerável na condição de investigado pelo tempo que a PF quiser e a Justiça aceitar. Ora, isto não se coaduna com o Estado Democrático de Direito digno do nome. Ou bem os agentes responsáveis pela investigação apresentam as provas que apuraram no curso do inquérito ou bem a Justiça determina o seu arquivamento.
Rogério Marinho foi relator da reforma trabalhista durante o governo de Michel Temer. A aprovação da reforma foi um dos grandes momentos da boa articulação entre o Congresso e a equipe do ex-presidente. Hoje, como secretário especial de Previdência e Trabalho, Marinho é peça fundamental para a aprovação da reforma da Previdência no Congresso, tanto por seu conhecimento sobre o tema como por interlocução com os parlamentares.
Estranho atraso, estranha investigação, estranha coincidência.