Editorial do Estadão: A sociedade está atenta
Crítica a juiz envolvido na Lava Jato não representa “enfraquecimento” da operação
Causa profunda estranheza a naturalidade com que o juiz federal Marcelo Bretas se pôs a defender a manutenção do auxílio-moradia que recebe mensalmente – um polpudo penduricalho de R$ 4.377,73 –, mesmo sendo casado com uma juíza que também recebe o benefício. Para o juiz, não há qualquer desconforto de ordem moral no fato de o casal receber R$ 8.755,46 por mês a título de auxílio-moradia quando ambos residem sob o mesmo teto e este teto fica na sede do juízo em que atuam.
O juiz Marcelo Bretas recorreu à Justiça para obter o benefício, pois a concessão do auxílio-moradia, no caso dele, era vedada pela Resolução 199/2014 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que determina que o benefício pago a um dos cônjuges inviabiliza o pagamento ao outro.
Diante da justificada reação negativa de amplos segmentos da sociedade, o juiz federal Marcelo Bretas optou por sair das redes sociais, espaço em que era bastante ativo, em vez de abrir mão do benefício. “Agradeço aos mais de 30 mil seguidores. Findo este período de férias, informo que não usarei esta conta de Twitter pelos próximos meses. Teremos um ano de muito trabalho”, disse ele em sua última postagem.
A vigorosa reação negativa da sociedade, contrária à postura de Bretas, cuja primeira reação à notícia da acumulação dos benefícios foi irônica, é digna de nota por se tratar de um juiz conhecido por sua atuação implacável nos processos que conduz no âmbito da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro e por ser, nas redes sociais, um ardoroso paladino da Justiça e da moralidade.
O juiz Sérgio Moro, a face mais conhecida da Lava Jato no Poder Judiciário, também recebe o benefício, mesmo residindo em imóvel próprio situado a três quilômetros da sede da Justiça Federal no Paraná. Ele veio a público “justificar” a concessão do auxílio-moradia alegando que o pagamento, embora “discutível”, serve para “compensar a falta de reajuste dos vencimentos” dos juízes federais.
Poder-se-ia esperar que uma reprovação da sociedade ao comportamento de ambos os juízes fosse atenuada tendo-se em vista as confusões que poderiam ser criadas entre o papel institucional que desempenham, o rigor técnico de suas decisões e suas posições corporativas. Afinal, qualquer crítica àqueles que atuam na Operação Lava Jato, não raro, tem sido tratada como uma “ameaça” à própria operação ou como um sinal de tolerância às práticas criminosas que ela tem o objetivo de combater.
É alvissareira, portanto, a justa separação que foi feita pela opinião pública. Uma crítica a um juiz envolvido diretamente na Operação Lava Jato não representa, necessariamente, um “enfraquecimento” deliberado da operação, que é do Estado, não de um ou outro servidor, como querem fazer crer alguns membros do Poder Judiciário e do Ministério Público que se autoproclamaram salvadores da Nação. De fato, juízes podem muita coisa, mas dentro das leis de um regime republicano não podem tudo. A sociedade está atenta e enxerga esta justa distinção.
Em tom diametralmente oposto foi a nota assinada pela Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e Espírito Santo (Ajuferjes), entidade para qual está em curso uma “campanha para tentar desmoralizar os juízes federais brasileiros”. A entidade amplifica a cantilena das “ameaças” ao trabalho daqueles que se põem a “coibir o maior dos males da Administração Pública brasileira, a corrupção organizada e voraz, responsável pelo atraso e por milhares de mortes nas filas de hospitais”.
A nota da Ajuferjes deve ser lida tal como é, um mero desagravo corporativista como tantos outros que têm sido publicados, mais preocupados com a manutenção dos privilégios de uma das mais bem remuneradas categorias profissionais do serviço público – e, portanto, uma das mais ferrenhas opositoras à aprovação da reforma da Previdência – a pretexto de denunciar ameaças imaginárias ao trabalho de combate à corrupção.
Felizmente, a sociedade já se dá conta do despautério que é este tipo de discurso.