Marcos Troyjo
Saí do Fórum Público da Organização Mundial do Comércio (OMC), em Genebra, na semana passada com duas certezas.
A primeira: a OMC precisa de uma nova “constituinte” que lhe permita mais celeridade de decisões e abarque cada vez mais os novos bens tecnológicos — para além do tradicional foco em agricultura e produtos manufaturados.
A OMC não pode desperdiçar os abalos provocados pela guerra comercial em curso para reinventar-se. É nesse sentido que dura mais habilmente o diretor-geral Roberto Azevêdo, condutor da instituição.
A segunda: o comércio internacional é uma atividade específica que transcorre em meio a um ecossistema mais amplo, cuja principal marca é a própria mudança da noção de trabalho e emprego. E isso tudo vai exigir uma nova filosofia de treinamento, capacitação e educação.
Esta não é uma dinâmica recente, mas agora dá saltos de proporção geométrica. Quando realizei um estágio na embaixada do Brasil, em Havana, no começo da década de 1990, lá fazia serviços ocasionais de motorista o cubano Paco, à época com uns 60 anos.
Fora os bicos, tinha um emprego mais fixo como motorista de uma operadora turística em Havana. Sua formação acadêmica? Engenharia naval. Durante a Guerra Fria, estudou graças à cooperação educacional que a então União Soviética prestava a Cuba.
Em aulas traduzidas de um professor russo para o espanhol, aprendeu a estruturar barcos quebra-gelo. Seu livro-texto era um manual soviético dos anos 40. Paco aprendera uma tecnologia ultrapassada, sem pertinência para Cuba.
Pensem agora na espanhola Maria Alonso, que tem 30 anos. Ela cresceu na classe média de Valência. Estudou ciência da computação. Estagiou na IBM. Trabalhou numa startup que não durou muito.
Fez mestrado nos EUA. Voltou à Espanha há dois anos e está desempregada. Sua hora de programação custa no mercado espanhol US$ 50. Possíveis empregadores recorrem a freelancers no Vietnã ou Paquistão por US$ 5 a hora.
Argentina e Uruguai têm educado sua população há mais de 100 anos. Ainda assim, começaram o século 20 em pior forma do que o 21. Formaram cidadãos cultos, politicamente conscientes. Mas economicamente pouco competitivos.
A atual fase da globalização está criando um duro desafio para a ideia de educação como panaceia aos problemas de um país. Hoje, além da pertinência e atualidade, é um certo enfoque dos conhecimentos que capacita à competitividade no século 21: a educação para o empreendedorismo.
Contudo, não devemos entender, como se faz muito no Brasil, que empreender é simplesmente sinônimo de abrir uma franquia ou mesmo ter seu próprio negócio.
Empreendedorismo é a ação individual, com vistas à agregação de valor, que almeja quebrar a inércia de uma determinada entidade (empresa, governo ou organização não governamental) mediante atuação essencialmente inovadora.
No âmbito da Quarta Revolução Industrial, a rotina é o pior inimigo da empregabilidade. Tudo o que pode ser “rotinizável” corre o risco de transformar-se em matéria-prima para algoritmos que delineiam os contornos da rotina e a traduzem em software — e daí em novas tecnologias cognitivas que aprendem sozinhas.
Tais tecnologias podem substituir — em muitos casos com vantagens — o trabalho humano. Assim, carreiras lineares do começo da vida adulta ao embranquecimento dos cabelos, dentro ou fora de uma única empresa, se tornarão cada vez mais raras.
Esse é um dilema para o Brasil. O grande empregador da economia é o governo em seus vários níveis administrativos. Combatemos o mal presente do desemprego com a hipertrofia dos quadros estatais.
Um estado menor e mais eficiente é pré-condição para muita coisa. Inclusive para liberar recursos que, investidos em pesquisa e desenvolvimento e germinados pelo empreendedorismo, possam acelerar o ingresso do Brasil na economia 4.0.