O jornalista Celso Arnaldo Araújo nem precisou embarcar com Dilma Rousseff para acompanhá-la numa espantosa viagem pelo mundo dos livros. Entre outros assombros, o caçador de cretinices descobriu uma das grandes diferenças entre a presidente eleita e Lula. O criador não esconde a invencível aversão por leituras. A criatura finge que lê. Confira:
“Dilma Rousseff não viaja se não tiver três livros na bagagem”, avisa a repórter Catia Seabra, enviada especial da Folha à Alemanha, confiando cegamente em sua fonte – no caso, a própria Dilma.
A jornalista viajou, na First da TAM para Frankfurt, a caminho de Seul, por intermináveis 11 horas, ao lado da presidente eleita – que voa em aviões de carreira enquanto não puder estrear o Aerodilma.
Sim, “três livros na bagagem”, relata a Folha de hoje. Pode ter sido apenas uma força de expressão da repórter – aliás, um surrado clichê jornalístico. Algo como: “Paul McCartney chegou ao Brasil trazendo na bagagem o desejo de fazer aqui os melhores shows de sua vida”. Isto é: o “na bagagem”, nesses casos, tem o sentido metafórico de continente de um conteúdo também imaginário.
Mas nada mais adequado à dobradinha Dilma-livros. Mesmo porque, a jornalista volta à fantasia no final de sua crônica aérea: “Na bagagem, carrega um iPad e três livros”. E aspeando Dilma: “Se eu não tiver três livros, sei lá. Não fico bem.”
Sei lá: Dilma se contenta apenas em “ter” os três livros? Ler não está nos planos de viagem? E o que significa esse “não fico bem?” Será que, para Dilma, livros em viagem têm o efeito daqueles paninhos de estimação que crianças carregam pra baixo e pra cima e sem os quais não dormem?
De qualquer forma, como a repórter não conta ter visto a presidente sequer folheando um dos três anônimos livros-paninhos durante as 11 horas de voo, presumo que eles tenham mesmo apenas função terapêutica-cognitiva: Dilma precisa saber que eles estão lá, “na bagagem”, para “ficar bem”.
Não fica bem é com as letras. Como notaram os colaboradores desta coluna, ao longo dos últimos meses, Dilma dá permanentemente a impressão de nunca ter lido nenhum livro, sobre qualquer assunto. Sua bagagem literária, porém, é enorme. A repórter, no penúltimo parágrafo de seu relato, menciona, em passant, tê-los visto ao lado de cremes e maquiagem — mas certamente se esqueceu de perguntar os títulos dos três livros trazidos pela presidente eleita em sua primeira viagem internacional.
Preferiu puxar conversa sobre seus genéricos hábitos de leitura, aérea ou terrestre. E resume assim as preferências presidenciais: “Dilma enaltece autores angolanos, rasga elogios ao belga Georges Simenon e admite que dormiu na segunda página de um livro do mexicano Carlos Fuentes”.
Eu gostaria de saber o nome, apenas o nome, sem a necessária correspondência de obra, de um, apenas um, desses enaltecidos autores angolanos. E de conhecer o teor dos “rasgados elogios” de Dilma a Simenon, sobre cuja obra vale o mesmo repto: Georges Simenon assinou 190 livros e 154 novelas e escreveu, sob uns 20 diferentes pseudônimos, mais uns 150 romances — Dilma bem que poderia citar um só. E bem que o Inspetor Maigret, criação imortal de Simenon, poderia ser chamado para comprovar a existência e a autoria desses três misteriosos livros que Dilma carregou para a viagem a Seul.
Quanto a Carlos Fuentes, o fascinante Carlos Fuentes, diplomata mexicano com status intelectual para dar aulas em Harvard, Princeton e Cambridge, é mesmo um sonífero para passageiros como Dilma – será esta, aliás, a função basal dos três livros da presidente eleita?
Nesta viagem a Frankfurt, especificamente, não. Catia relata que Dilma, sem nenhuma leitura, dormiu 7 das 11 horas a bordo – de pijaminha marrom da Primeira Classe. Antes, deu corda ao repórter e ao fotógrafo, mas fez um pedido: “Não vá tirar uma foto minha dormindo. Todo mundo baba quando dorme”.
Esse estado quase catatônico em voo é produto, talvez, de um também misterioso “remedinho francês” para insônia a que ela recorre, como revelou à repórter da Folha.
Bem, aí o assunto deixa o âmbito literário para invadir a seara do Temporão. Esse remedinho já está disponível no SUS?
Se a repórter quisesse detalhes sobre as três obras, Dilma Rousseff iria consumir as 11 horas do voo caçando respostas em vão. Como comprova o vídeo, o neurônio solitário não sabe sequer o nome do autor nem o título do livro que está lendo. Só o timaço de comentaristas pode desvendar o enigma: que livros estavam na bagagem da viajante, amigos?