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A omissão do governo prolonga o drama dos parentes dos 18 heróis mortos no Haiti

Bruno Abbud A VIÚVA “Você tem telefone em Natal?”, pergunta a voz franzina e veloz. Heloísa Chagas Camargos, viúva, 36 anos, está contando como tem vivido depois da morte do marido no terremoto no Haiti, e parece preocupada com a possibilidade de pagar uma tarifa de telefonema interurbano se a ligação cair antes do fim […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 5 jun 2024, 12h49 - Publicado em 3 dez 2010, 00h43
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    Bruno Abbud

    A VIÚVA

    “Você tem telefone em Natal?”, pergunta a voz franzina e veloz. Heloísa Chagas Camargos, viúva, 36 anos, está contando como tem vivido depois da morte do marido no terremoto no Haiti, e parece preocupada com a possibilidade de pagar uma tarifa de telefonema interurbano se a ligação cair antes do fim do relato. Ela costumava usar o Skype ─ espécie de telefone via internet que permite ver a imagem do interlocutor ─ para conversar à distância com o subtenente Raniel Batista Camargos. Foi o que fez no último diálogo, travado em 12 de janeiro.

    O casal festejava o 6° aniversário da filha Giovana quando, perto das 8 da noite no Brasil, a conexão foi abruptamente interrompida. Heloísa não tinha como saber que, naquele instante, o terremoto em Porto Príncipe provocou o desabamento do quartel da Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti), onde estava Raniel. Resgatado dos escombros seis horas mais tarde, ele não sobreviveu à hemorragia interna e ao traumatismo craniano. Tinha 43 anos, integrava o 37º Batalhão de Infantaria Leve de Lins, interior de São Paulo, e estava há seis meses no Haiti.

    Passados 11 meses, o orçamento frugal obriga Heloísa a preocupar-se com a conta telefônica. Nem ela nem qualquer outro parente dos 18 militares brasileiros mortos no terremoto receberam a indenização prometida pelo governo federal em janeiro ─ R$ 500 mil, mais parcelas mensais de R$ 510 para os filhos em idade escolar.

    Heloísa mudou-se de São Paulo para o Rio Grande do Norte em julho, seis meses depois de perder o marido. Hoje vive numa casa em Parnamirim, a 15 quilômetros de Natal, com os pais e os dois filhos ─ o segundo é Luis Gustavo, de três anos. A viúva recebeu R$ 130 mil da Poupex, fundo previdenciário vinculado à Fundação Habitacional do Exército. O dinheiro corresponde ao seguro por morte natural, informa Heloísa. “Meu marido morreu fardado, de coturno, de roupa camuflada. Ele estava servindo a nação. E a indenização não chegou até hoje”. Por morte em serviço, o valor do seguro dobra. Todos os R$ 130 mil foram utilizados no pagamento de dívidas.

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    Professora, Helósia trabalha na secretaria de Educação de Parnamirim. O salário e a pensão mensal que ganha do Exército não são suficientes para pagar todas as despesas. “Eu preciso dessa ajuda do governo. Não tenho uma casa só minha para morar”, lastima. O dinheiro prometido pelo presidente Lula lhe permitiria comprar uma casa e poupar o que restasse para garantir o futuro dos filhos.

    A babá das crianças, que também acumula as funções de empregada doméstica, consome R$ 612 do orçamento mensal. O aparelho dentário de Giovana ficou em R$ 1.300. Luis Gustavo tem bronquite desde os oito meses e os remédios custam mais de R$ 300 mensais. Só a bombinha consome R$ 130 mensais. O plano de saúde da família lhe toma mais R$ 450. As despesas com a educação das crianças ficam por volta de R$ 2 mil. Somadas, essas contas chegam a R$ 4.662. Heloísa ainda precisa separar dinheiro para pagar água, luz e telefone. Por falta de recursos, ela deixou de visitar os sogros no interior de Minas Gerais. Não há dinheiro para as passagens. Os avós não vêem os netos há mais de um ano. Se pudesse, a viúva também providenciaria atendimento psicológico para Giovana. Desde a morte do pai, a menina anda calada demais.

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    Raniel Batista Camargos, subtenente do Exército brasileiro, em missão no Haiti.

    A MÃE

    Diabética e hipertensa, Ana Neckel, de 46 anos, foi abalada pela depressão depois de perder o filho no terremoto do Haiti. Impossibilitada de trabalhar, gasta cerca de R$ 500 por mês com remédios e não tem como ajudar o marido, Walmir, 47, dono de uma pequena transportadora em Lorena, interior de São Paulo. Ana não revela a renda da família. Limita-se a informar que o filho usava parte do soldo para pagar as despesas da casa.

    Aos 23 anos, o cabo Douglas Pedrotti Neckel integrava o 5º Batalhão de Infantaria Leve de Lorena. Faltavam três dias para que voltasse ao Brasil e deixasse o Exército para trabalhar com o pai e o único irmão. Não deu tempo. Naquele 12 de janeiro, o cabo foi soterrado enquanto fazia a guarda de uma base militar em frente de uma favela em Porto Príncipe. O seguro por morte natural rendeu à família R$ 52 mil.

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    Os Neckel têm dívidas acumuladas em três bancos. No Itaú, o débito é de R$ 300 mil. O casal deve R$ 100 mil ao Banco do Brasil e mais R$ 70 mil ao HSBC. Os empréstimos garantiram o funcionamento da empresa e a sobrevivência da família. “A indenização do governo não traz meu filho de volta, mas ajudaria bastante”, diz  Ana.

    Como Douglas não tinha mulher nem filhos, os pais devem ser contemplados tanto com a indenização de R$ 500 mil prometida pelo governo quanto com a pensão mensal de R$ 1 mil paga pelo Exército. “Os militares querem que eu comprove que meu filho ajudava em casa. Mas é impossível. Como é que eu iria guardar todas as notinhas das despesas que ele teve?” Enquanto espera que o Exército e o governo federal cumpram seu dever, Ana só pode exercer o direito de chorar.

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    Douglas Pedrotti Neckel, cabo do Exército morto aos 23 anos no terremoto no Haiti.

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