PUBLICADO EM 22 DE FEVEREIRO DE 2011
Estou há seis dias em Havana fazendo o que faz desde janeiro de 1959 todo jornalista que baixa em Cuba: esperando Fidel Castro aparecer. Também aguardam a aparição mais 11 jornalistas e quase 30 deputados paulistas. Chegamos domingo no avião da VASP que inaugurou a rota São Paulo-Havana. A ideia do governador Orestes Quercia será testada por três meses com um voo por semana. Nesta noite de sexta-feira, dou-me conta de que faltam só 48 horas para a viagem de volta. O homem não deu as caras, mas o funcionário do Ministério das Relações Exteriores que acompanha a comitiva brasileira segue repetindo o que disse ainda na pista do aeroporto: “O Comandante gostou muito da ideia de conversar com vocês. Vai aparecer a qualquer momento”.
Fidel nem sempre aparece, mas gosta mesmo de conversar. Gosta tanto que a fila de espera não cabe na agenda. Como a fila não anda, os enfileirados se distraem mudando de lugar. No primeiro dia, com a circunspecção de quem aguarda a chegada da noiva na porta da igreja, esperei no saguão do Hotel Riviera. Neste sexto dia em Cuba, espero no salão imenso do Ministério das Relações Exteriores. Acabei de chegar com dois jornalistas amigos e estou à procura dos outros brasileiros na multidão de convidados para o coquetel oferecido pelo governo.
Já esperei em lugares mais sossegados. Na terça-feira, por exemplo, fiquei de prontidão em dois restaurantes célebres, La Bodeguita del Medio e La Floridita, caprichando na pose de Ernest Heminguay aos trinta e poucos anos. Em homenagem ao escritor que bebeu todas quando morou por aqui, tracei meia dúzias de mojitos no bar do primeiro e oito papa dobles no bar do segundo. Achei melhor esperar na piscina do hotel quando comecei a ver a miragem de Fidel em dobro.
Na quarta-feira, esperei quatro horas na fila da sorveteria Copellia até chegar ao balcão e pedir o famoso sorvete de limão que tinha acabado minutos antes. Na quinta, de volta ao bar do La Floridita, bateu-me a ideia de esperar Fidel brincando de figurante de filme de época. No fim dos anos 80, a capital cubana não saiu dos 50, informam o casario implorando por pintura e os carrões americanos que sacolejam pelas ruas. O garçom me contou que qualquer um pode ser usado como táxi. É só pagar 1 dólar e dizer o destino. Seja qual for o trajeto e a duração da corrida, o preço não muda. Não acredito, mas não custa conferir. Estendo a mão ao ver um Studbaker verde e o motorista para. O garçom não estava brincando.
Nas três horas seguintes, pela módica quantia de quatro dólares, esperei Fidel no banco do co-piloto de um Oldsmobile vermelho, um Mercury preto, um Chevrolet rabo-de-peixe azul e um Buick de cor indefinida que me devolveu ao hotel. Acordei nesta sexta-feira perguntando a jornalistas e deputados que ano é hoje. Eles respondem dizendo a hora. Pergunto de novo pelo ano. 1987, dezembro, murmuraram dois dos consultados, ambos com expressão intrigada. Só acredito no que ouço porque o espelho informa que já faz tempo que sou maior de idade.
Nesta sexta à noite, só sei que estou no terceiro daiquiri. E me preparo para pedir o quarto quando a frase multiplicada por centenas de vozes flutua sobre o oceano de cabeças: “É ele!”. Ele é Fidel, quem mais poderia ser? O funcionário do governo chega ofegante para avisar que o Comandante vai conversar conosco daqui a duas horas. Esqueço as trapaças do calendário gregoriano, desisto do daiquiri ao lembrar como foi o duelo com Jânio Quadros e começo a pensar nas perguntas presas na garganta há seis dias.
Ou 30 anos, como veremos na continuação desta história.